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Prólogo à edição em livro

Os vários autores da coleção «Botânica em Português» quiseram escrever um conjunto de obras que abarcasse o mundo da Biologia das Plantas em diversos níveis. Por um lado, cientes de que na tradição de notáveis escritos de naturalistas botânicos portugueses do passado – Félix de Avelar Brotero, Conde de Ficalho, Júlio Henriques, António Xavier Pereira Coutinho, Gonçalo Sampaio, Rosette Batarda Fernandes, João A. do Amaral Franco e António Rodrigo Pinto da Silva, para citar apenas alguns dos mais notáveis – haveria que voltar a escrever, no presente, sobre Botânica numa lógica para além da produção académica. Por outro lado, esta seria uma forma também, não de se lhes comparar, mas de fazer alguma justiça ao seu trabalho, continuando-o em moldes contemporâneos. A premência de proceder ao inventário da biodiversidade vegetal é inegável e autoevidente no contexto atual da crise ambiental e da procura de soluções baseadas no conhecimento científico. Deste modo, é fundamental que haja mais e mais botânicos, desde cidadãos amadores, aos técnicos com deveres operacionais complexos, a investigadores académicos produzindo boa investigação aplicada e fundamental. Podemos pensar nalgumas fases de interregno ou menor interesse na Botânica, mor de modismos científicos diversos ou de necessidades de sobrevivência académica diversas. Ainda assim, são atualmente várias as gerações de botânicos ativos em Portugal que desenvolvem atividade nos diversos campos científicos da Botânica: Sistemática, Florística, Ecologia das plantas e da vegetação. Esta atividade ocorre em contextos que extravasam em muito a academia, e em particular a Universidade, sendo que a Botânica nunca foi um exclusivo desta; ao invés e frequentemente, a Ciência Botânica viu a sua vitalidade maior no contexto de outras instituições dedicadas à investigação que não as universitárias, como laboratórios do Estado, jardins botânicos, institutos politécnicos, organizações não-governamentais e cidadãos individuais. Este facto é característico da história da Botânica desde o começo da sua formulação científica em finais do século xvi, onde herbários, jardins botânicos e sociedades científicas tiveram o papel maior nesta Ciência. De igual modo, a situação atual da Botânica não difere muito deste carácter polifacetado e de ciência democrática.

O conjunto de livros que agora almejamos fazer chegar ao público pretende fixar os principais desenvolvimentos contemporâneos da Ciência Botânica num discurso relativamente informal, mas sem concessões a simplismos. Entendemos que a divulgação pode casar, ainda assim, com riqueza de discurso e conteúdo. Deste modo, os volumes da coleção cobrem desde as áreas científicas de base, como a Morfologia, a Sistemática e a Evolução, aos Ecossistemas portugueses e à caracterização da sua Flora e Vegetação, culminando na Conservação das espécies ameaçadas de extinção e dos seus habitats. Pretendemos fazê-lo, como se disse, com recurso a um mínimo de linguagem académica que será sempre acessível a um público com alguma cultura científica e técnica genérica ou apenas interesse em Biologia e Ecologia. Os volumes percorrerão os temas de forma explicativa e autocontida, isto é, explanando, na medida que o consigamos, todos os conceitos necessários para a compreensão consecutiva dos temas constantes nos volumes seguintes. Queremos que as obras tenham conteúdo, sejam didáticas e úteis; ao mesmo tempo que possam chamar a atenção para o fascínio de conhecer as Plantas e a Biosfera e para a importância de as proteger.

OS VOLUMES DA COLEÇÃO

A organografia vegetal, morfologia vegetal (plant morphology) ou fitomorfologia, a componente maior do volume I, Estrutura e biologia das plantas, tem por objeto a forma das plantas e a sua alteração ao longo do ciclo de vida (mudanças ontogénicas) ou durante o processo evolutivo (mudanças filogenéticas). A descrição de tipos celulares e tecidos e da estrutura interna dos órgãos vegetais, que acompanha a descrição da morfologia das plantas, concentra-se no essencial. A arquitetura de plantas, discutida na parte II do volume I, é uma área especializada da morfologia vegetal raramente abordada em publicações congéneres. O volume I estende-se ainda por temas de reprodução vegetal e de fenologia, e pelo estudo dos ciclos de vida das plantas terrestres, com especial ênfase na reprodução das plantas com semente, dada a sua importância em ecologia e ciências agrárias, e para compreender a biologia evolutiva das plantas.

O volume II, Evolução das plantas, principia com uma introdução à biologia da evolução. A teoria da evolução é a teoria fundamental que organiza toda a biologia. Julgamos preocupante que profissionais que usam a ecologia e a biologia no seu dia a dia demonstrem um completo e persistente desconhecimento dos mecanismos básicos da evolução da vida e da especiação. Aprendem-se, ao pormenor, a estrutura da célula e os mecanismos moleculares da hereditariedade sem interiorizar as bases do pensamento populacional e adaptativo (sensu Mayr). A agricultura como atividade humana não pode ser adequadamente compreendida sem as ferramentas conceptuais de biologia da evolução. Como escrevia o evolucionista norte-americano de origem ucraniana Theodosius Dobzhansky em 1973: «Nada em biologia faz sentido exceto à luz da evolução» (Futuyma, 2005).

O volume II contém ainda uma introdução à história evolutiva das plantas terrestres. Pode parecer estranho que algo tão especializado e volátil seja desenvolvido num livro de botânica que se pretende aplicado. As plantas, ao longo da sua evolução, foram tanto agentes de mudança como sujeitos passivos das alterações climáticas, da composição química da atmosfera terrestre, ou dos ciclos biogeoquímicos. Sem noções sobre evolução das plantas é impossível aprofundar estes três temas-chave das ciências do ambiente (cf. (Beerling, 2007)). O solo, tal como hoje o entendemos, é uma criação das plantas terrestres. Por fim, a história evolutiva das plantas é indispensável para desenvolver uma visão integrada da planta e dos ecossistemas terrestres.

O volume III, Sistemática das plantas vasculares, é um livro de taxonomia. O tema é preparado com uma apresentação dos sistemas de classificação mais importantes e uma introdução à nomenclatura taxonómica. A componente descritiva incide nos grandes grupos e nas famílias de plantas com semente, organizados de acordo com (Christenhusz et al., 2011) e o Angiosperm Phylogeny Group IV (Chase et al., 2016). Desde a publicação do Genera Plantarum, de Antoine de Jussieu, no final do século xviii, que a família é a categoria taxonómica superior ao género mais utilizada na organização do mundo vegetal.

O estudo das matérias destes três primeiros volumes pode ter diferentes pendores. Por exemplo, pode ter uma abordagem descritiva formal, uma perspetiva histórico-evolutiva ou insistir em aspectos funcionais. Buscamos uma abordagem híbrida, que cremos mais satisfatória e de leitura mais agradável para o universo dos leitores desta obra. A Botânica, conforme é abordada neste texto, é uma disciplina de charneira entre a evolução, a biogeografia, a etnobiologia e a agronomia.

O volume IV, Vegetação e habitats de Portugal, é dedicado ao nível de complexidade correspondente ao Ecossistema, ou seja, ao estudo da composição, estrutura e função dos sistemas complexos que resultam da ocorrência organizada das plantas na Biosfera. Evidentemente que os ecossistemas são sistemas abertos, mas é possível identificar relações funcionais entre as populações de organismos seus componentes que são internamente muito mais intensas e frequentes do que as relações que atravessam as fronteiras do ecossistema e, por isso, os podemos individualizar: florestas, prados, lagoas, matagais, etc. Falamos de: fluxos de energia, como sendo a luz; de matéria, como é o caso dos nutrientes ou da matéria orgânica que circula de produtores (as plantas) para herbívoros e de todos para decompositores; e de informação, genética nos fenómenos reprodutivos, nas recém-descobertas redes de trocas de compostos químicos de regulação e interação entre as plantas através de raízes. Também existem nos ecossistemas importantes relações funcionais derivadas da competição, por espaço vital, luz, água e nutrientes; e da facilitação, que será o equivalente nas plantas à cooperação humana que é a base das relações sociais. O nível mais elementar da descrição dos ecossistemas é a caracterização da composição, isto é, do elenco de espécies, de uma comunidade vegetal. Assim, as comunidades vegetais caracterizadas por combinações definidas e estatisticamente repetitivas de plantas são o objeto primário da Ciência da Vegetação, que historicamente também se designou e designa por Fitossociologia, termo que faz jus às relações funcionais intensas entre as plantas que ocorrem num mesmo local. À descrição da composição e da estrutura da comunidade vegetal – Que espécies? Em que quantidade? Como se organizam espacialmente? – acrescenta-se a caracterização do ambiente da comunidade: solo, clima, relações com a ação humana e ainda a história do uso do solo, da agricultura e da floresta. A este compartimento ecológico, contendo, num sentido virtual, a comunidade de plantas chamamoshabitat. Por extensão do conceito, tem-se chamado habitat ao conjunto «comunidade de plantas + habitat». É exemplo disto mesmo a classificação dos Habitats Naturais e Seminaturais do Anexo I da importante Diretiva Habitats (Diretiva n.º 92/43/CEE, do Conselho, de 21 de maio, transposta para a ordem jurídica nacional pelo Decreto-Lei n.º 140/99, de 24 de abril). Assim, por exemplo, o habitat 6210 * Prados secos seminaturais e fácies arbustivas em substrato calcário (Festuco-Brometalia) (* importantes habitats de orquídeas) é usado neste sentido lato, definindo a comunidade de plantas e a sua correlação com um tipo de substrato geológico. Deve notar-se que habitat, no sentido que lhe dá a Diretiva Habitats, em termos científicos, é formalmente uma biocenose: comunidade + ambiente, isto é, onde o ambiente corresponde ao habitat no sentido restrito, mas tal termo não é usado exceto na literatura científica e, como se disse, é substituído por habitat num sentido que abrange comunidade e também o seu ambiente. Por fim, considerando as funções do habitat sensu lato, exemplificadas acima, temos então o Ecossistema; isto é: Ecossistema = comunidade + ambiente (habitat sensu stricto) + funções.

O objetivo do volume IV é partir da apresentação das comunidades vegetais, da sua composição, estrutura, distribuição no território de acordo com as grandes ordens de fatores ambientais (clima, geologia) e as suas relações com o uso do território (agricultura, floresta, pastorícia, urbanismo) para chegar a uma tipologia de ecossistemas, os quais, por corresponderem a uma visão composicional e estrutural estática, são de facto «habitats». Pretende-se, ainda, fazer a relação com as tipologias de habitats mais correntes e relevantes nas figuras de Ordenamento do Território e de Conservação da Natureza: as constantes do Anexo I da Diretiva Habitats e as da classificação EUNIS – European Nature Information System.

O volume V, Sítios de Interesse Botânico de Portugal Continental, desce a um nível mais particular e concreto do terreno: é uma viagem pelas áreas floristicamente mais ricas, valiosas e fascinantes de Portugal, contada por vários autores com percursos muito diferentes na «vida botânica», e por isso com perspetivas diferentes, desde as mais pessoais às mais técnicas ou científicas, sobre os muitos temas que se podem levantar em torno de cada área. Cada autor apresenta uma área e explica-nos a sua singularidade: os valores botânicos que encerra, as particularidades desse território, aquilo que de mais único ele tem e as razões dessa unicidade, e demais temas que lhe suscitem curiosidade ou mistério. Não espere, por isso, o leitor encontrar coerência, mas sim o contrário: diversidade de perspetivas e de abordagens, diversidade de formas de viver e pensar a botânica, desde o prazer imediato e intrínseco do primeiro encontro com uma espécie rara, ao prazer que se vai construindo à medida que se vão ligando as inúmeras peças de conhecimento de variados campos, nas quais as plantas e os habitats são os atores principais. São aqueles locais de passagem obrigatória (e de demora obrigatória) para qualquer interessado em plantas, que podíamos também chamar de Maravilhas Botânicas de Portugal. Ironicamente, várias têm os dias contados por aqueles que não as entendem, e este volume surge também nesse sentido, de dar a conhecer o património florístico único que estamos a perder a cada dia, por um litro de azeite barato, um quilo de laranjas, de abacates ou de framboesas.

O volume VI, Guia da flora de Portugal continental, é um volume eminentemente prático. Disfarça-se sob o nome de um Guia da Flora, mas a sua motivação fundamental não é tanto a identificação das espécies de plantas que existem em Portugal – para isso, as ferramentas digitais, como o portal Flora-On, prestarão certamente um serviço mais célere –, mas sim a apresentação estruturada da flora que por este País podemos encontrar. A diferença não está no conteúdo, mas sim na organização, que aqui se optou por ser principalmente baseada na sistemática (isto é, segundo o grau de parentesco das espécies), sem oferecer, assim, obstáculos à pura navegação do livro pelo prazer não só de conhecer mas também de entender. Que carvalhos existem em Portugal? Em que ambientes e em que regiões? Que estevas, quais as mais frequentes e mais raras, onde e como? Que tojos, idem? E não tanto «que flor branca é esta»? A motivação desta opção surge em contracorrente com a abordagem cada vez mais «desinteressada» das pessoas que se «interessam» pelas plantas, e para as quais saber o nome da espécie é o fim da viagem, quando na verdade deveria ser o início. Esta abordagem é possivelmente um reflexo da moda das aplicações de identificação automática de fotografias ou mesmo do hábito comum de «postar» fotografias para que alguém as identifique. Na realidade, tais facilidades, embora úteis de certos pontos de vista, são antididáticas: desaprende-se a observar os padrões dos pequenos detalhes morfológicos escondidos que ligam as espécies entre si em géneros, que ligam os géneros em famílias, as famílias em ordens, e daí em diante. E, com isso, deixa-se escapar o entendimento da complexa organização das plantas que tantas histórias antigas tem para contar, e perde-se o espanto que a observação minuciosa de uma planta reiteradamente causa, mesmo a mais comum das plantas, e mesmo para quem já tantas plantas viu.

Mas o volume VI vem também ajudar a suprir (não totalmente) uma necessidade que há muito se verifica: a não existência de uma obra acessível a todo o público que permita conhecer e identificar corretamente as plantas que existem em Portugal continental. De facto, cada país tem uma flora única, e a prática comum de usar guias de flora estrangeiros ou generalistas para aplicar à realidade portuguesa é fonte de muitas incorreções, por vezes graves, que se tendem a perpetuar. Com este guia, pretende dar-se o primeiro passo para desfazer alguma desta desinformação coletiva, ao mostrar que a realidade da flora portuguesa é bem diferente, bem mais complexa e diversa do que aquilo que os guias generalistas nos fazem pensar. Vivemos num País repleto de plantas estranhas, restritas ou mesmo únicas (só no continente, temos mais de 130 endemismos lusitanos, isto é, plantas que, no mundo, só existem em Portugal continental). Mas uma grande parte das plantas (várias centenas de espécies!) vive em pequenos recantos do País, em áreas muito restritas e distantes, e, se não as soubermos procurar, se não arriscarmos os pés fora dos mesmos trilhos de sempre para ir até ao «campo» digno desse nome, nem saberemos que elas existem – consulte-se a página https://flora-on.pt?q=quadriculas%3C5 e veja-se a quantidade imensa de plantas que existe apenas em pequeníssimas áreas do País. E essa é também uma das missões deste guia, dar voz às inúmeras plantas que não a têm. Estamos certos de que o leitor irá surpreender-se frequentemente, ao folhear os capítulos deste guia, e aperceber-se gradualmente da extrema diversidade «silenciosa» que, por esses motivos, passa despercebida a tantos.

A coleção culmina no volume VII, Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental, a obra aguardada há cerca de três décadas que caracteriza o estado de conservação e o risco de extinção das plantas vasculares nativas do território nacional. Este volume é uma síntese do produto final de um projeto homónimo iniciado em 2016, em que, pela primeira vez, foi avaliado o risco de extinção de 630 espécies de plantas através dos critérios da UICN – União Internacional para a Conservação da Natureza. Com ele, Portugal fica dotado de um documento-chave para a definição e a implementação de políticas de gestão da conservação da biodiversidade e de ordenamento do território. Nesta obra singular é revelada a beleza e a fragilidade das 381 espécies que se encontram atualmente ameaçadas de extinção em Portugal continental. O habitat da maioria destas plantas está a ser rapidamente destruído, sobretudo pela expansão da agricultura intensiva em larga escala, pela proliferação de espécies exóticas invasoras e pelo desenvolvimento urbano e turístico, ameaças que, na última década, atingiram um ritmo insustentável e já colocaram largas dezenas de espécies à beira da extinção (as que estão classificadas como «Criticamente Em Perigo»). O livro pretende, assim, dar a conhecer o património natural valioso que está a desaparecer silenciosamente, bem como aquele que já desapareceu (19 espécies foram consideradas extintas em Portugal continental!), e sensibilizar toda a sociedade para a necessidade urgente de o conservar. Afinal, temos o dever moral, enquanto espécie, de impedir que outras centenas de espécies se extingam devido às nossas próprias ações, e com elas se percam patrimónios genéticos únicos, se quebrem as inter-relações funcionais vitais que cada planta mantém com a sua comunidade e com todo o ecossistema, e assim se abale o equilíbrio da rede invisível de interdependências que sustém a biodiversidade no planeta, da qual também nós, humanos, dependemos para sobreviver.

BREVE REFLEXÃO EPISTEMOLÓGICA

A organização dos seres vivos desenvolve-se em diferentes níveis de complexidade (Figura 1). As células, as unidades elementares da vida, organizam-se em tecidos, os tecidos em órgãos e em sistemas, e estes, por sua vez, integram organismos. Os indivíduos ocupam nichos ecológicos e trocam informação genética entre si no âmbito de uma população. As espécies são constelações de populações reprodutivamente isoladas, ou quase. Por outras palavras, os indivíduos agrupam-se em populações, e populações similares (o significado desta similaridade é discutido no volume II) estão organizadas em unidades biológicas mais ou menos discretas a que chamamos espécies. A componente viva dos ecossistemas, a biocenose, compreende indivíduos de diferentes espécies. Finalmente, os ecossistemas organizam-se em sistemas ecológicos de complexidade variável (e.g., comunidade vegetal e bioma). Os diferentes níveis de complexidade interatuam entre si de forma tanto mais intensa quanto mais próximos estiverem na escala de complexidade (Wilson 1998), e, às escalas que mais interessam para os três primeiros volumes desta coleção – do tecido à espécie –, ajustam-se às flutuações e variações direcionais do ambiente abiótico e biótico (e.g., plasticidade fenotípica dos indivíduos ou rearranjos da estrutura genética e etária das populações).

A biologia e a ecologia, à semelhança de outras ciências fundamentais, procuram explicar e prever a estrutura e a função de cada nível de complexidade, em função dos imediatamente anteriores. Constata-se, no entanto, que, a cada «salto de complexidade», este esforço esbarra na emergência de novas propriedades (e.g., leis, funções e estruturas), não previstas nos níveis de complexidade inferiores. Por exemplo, a estrutura do genoma é insuficiente para uma compreensão total do funcionamento celular, ou a autoecologia das espécies não explica e prevê adequadamente o funcionamento de um ecossistema. Os epistemólogos – os especialistas em filosofia da ciência –, cremos, repartem-se, grosso modo, em dois grupos para explicar a emergência de novas propriedades. Muitos são de opinião que a ignorância é a causa das insuficiências do reducionismo – a seu tempo, muitas propriedades ditas emergentes serão desclassificadas pelo progresso da ciência, outras serão artefactos de limitações epistémicas insanáveis da mente humana. Os holistas, pelo contrário, admitem que a emergência de propriedades é uma característica constitutiva dos sistemas complexos, sem solução – as leis que regem o funcionamento das partes não explicam (determinam) o funcionamento dos sistemas complexos, portanto, uma parte (substancial?) do mundo que nos rodeia não é predizível.

O chamado compatibilismo – uma espécie de caminho do meio, bem mais interessante do que os radicalismos holistas e reducionistas – reconhece a existência de causalidade entre níveis de complexidade sem defender um fundamentalismo causal (determinismo absoluto); há um elemento de estocacidade na vida (acaso e probabilidade) que não impede antever, parcialmente, com maior ou menor certeza (probabilidade) e profundidade, os efeitos das conexões causais entre diferentes níveis de complexidade do vivo (vd. (Wolfe, 2012)).

Portanto, atividades humanas tão complexas como a agronomia, a silvicultura, a biologia da conservação ou a restauração ecológica, todas elas partes de uma grande disciplina que poderíamos denominar por biologia aplicada, podem aproveitar-se das abordagens reducionistas-mecanicistas próprias da ciência moderna, mas a vida (e, implicitamente, a biologia) é irredutível à genética. Uma botânica dirigida à sistematização e à explanação das formas e da diversidade do mundo vegetal, conforme se segue neste texto, oferece informação indispensável para a prática da biologia aplicada, inatingível noutros domínios da biologia. Isto é, o acervo de informação e os métodos da organografia e anatomia vegetais, da botânica sistemática ou da biologia de reprodução de plantas, por exemplo, são insubstituíveis, embora insuficientes, para o agrónomo, o silvicultor, o biólogo, o ecólogo ou o engenheiro do ambiente exercerem a sua atividade de forma eficaz e eficiente. É impossível desenhar sistemas de produção agrícola ou florestal sustentáveis ou programas de conservação de espécies e ecossistemas – um propósito incontornável das sociedades contemporâneas – sem um conhecimento íntimo das plantas, entre outros saberes. Compreender para assim ganhar competências é uma das características dos modernos sistemas de ensino-aprendizagem.

O conhecimento científico – entendido como um agregado de informação (e.g., factos e descrições) organizado sob a forma de explanações testáveis e predições sobre a realidade – resulta da observação meticulosa do real através da concorrência de instrumentos observacionais e conceptuais. Os instrumentos observacionais (e.g., microscópio e sondas de DNA) permitem-nos ultrapassar as limitações físicas dos sentidos e da mente. Os instrumentos conceptuais (e.g., conceitos, teorias, hipóteses e modelos), formalizados matematicamente ou não, categorizam e organizam a realidade, i.e., atribuem-lhe uma estrutura percecionável – tornam-na inteligível. Tanto uns como os outros são invenções humanas indispensáveis na explicação científica da realidade. Assim como um equipamento analítico mal calibrado falseia a composição química de uma amostra de água, os instrumentos conceptuais inadequados fantasiam a realidade. Em ciência é tão importante desenvolver novos instrumentos observacionais como trabalhar conceitos. A organografia vegetal, a biologia da evolução e a ecologia são três ciências particularmente sensíveis ao subdesenvolvimento e à inconsistência conceptuais.

Os conceitos são representações mentais (abstrações) sobre as quais se constrói o pensamento. No caso da organografia e anatomia vegetais, resumem as propriedades de um objeto natural concreto: o corpo das plantas. Nos volumes dedicados à botânica sistemática (volume III e VI), os objetos naturais conceptualizados serão os grupos taxonómicos ou taxa. No âmbito da morfologia interna e externa das plantas, os conceitos resultam da deteção de padrões que podem ir de simples regularidades na disposição espacial de tipos celulares à posição relativa dos órgãos vegetais, ou à forma de folhas, flores e frutos. A inventariação e posterior conceptualização dos padrões morfológicos internos e externos das plantas são uma das mais antigas e importantes tarefas da botânica.

Uma correspondência inequívoca entre os conceitos, representados por vocábulos (e.g., nomes científicos de estruturas ou espécies) ou símbolos (e.g., fórmulas florais), e os objetos ou ideias conceptualizados melhora a qualidade e acelera as trocas da informação entre professores e alunos, e entre os praticantes de uma ciência. Quanto maior a precisão e o detalhe de um corpo conceptual, maior o seu valor heurístico, i.e., maior a sua utilidade para gerar hipóteses e mais longe se pode chegar na compreensão dos objetos de estudo. Logo, o estudo científico da forma das plantas, da biologia da reprodução, ou a sistemática vegetal, a observação e a construção de hipóteses – sustentadas na grande teoria unificadora da biologia que é a teoria da evolução – devem caminhar lado a lado com a construção de um conjunto consistente de termos e conceitos. Todas as ciências, sem exceção, cultivam um corpo de termos e conceitos. A terminologia botânica tem um denso lastro histórico que recua aos tempos em que o latim era a língua franca das gentes cultas. Estamos conscientes de que a complexidade do jargão diminui a acessibilidade da botânica ao grande público e que tem o condão de transformar simples descrições em aparentes explanações. Mas não há outro caminho.

No que à organografia vegetal diz respeito, pese embora uma história de quase três séculos de observação e descrição atenta da forma das plantas, falta ainda percorrer um longo caminho em busca da universalidade e consistência terminológico-conceptual. Como referem (Vogt et al., 2010), a descrição da morfologia dos entes viventes continua dificultada pela falta de: (i) uma terminologia padrão de uso comum; (ii) um método comum padrão (standard) de descrição morfológica; (iii) e de um conjunto de princípios a aplicar na delimitação de caracteres morfológicos. Estas limitações são, como é discutido no ponto «Sistemática filogenética (cladística)» (volume III), um sério entrave à conjugação da informação molecular com a informação morfológica no estabelecimento de filogenias.

Em ciência, os conceitos são mais ou menos consistentes, e as teorias e as hipóteses corroboradas (confirmadas) ou refutadas (eliminadas) com base na evidência observacional e/ou experimental. O vaivém «teoria/hipótese-refutação» característico da ciência é uma elaboração da «tentativa e erro» intrínseca à aquisição de conhecimento, desde a incorporação da informação sobre o nicho ecológico no código genético por seleção natural, ao conhecimento científico, passando pelos saberes empíricos do caçador recoletor. Como refere (Popper, 1972), «From the amoeba to Einstein, the growth of knowledge is always the same: we try to solve our problems, and to obtain, by a process of elimination, something approaching adequacy in our tentative solutions».

Todo o conhecimento científico é então contingente e inacabado, e permanentemente escrutinado pela comunidade científica e pelos usuários da ciência. O facto de uma ciência absoluta, totalmente independente do observador e impermeável ao contexto social, que produz saberes definitivos ser inalcançável não contradiz a ideia de progresso em ciência e de progresso no conhecimento humano do universo. A práxis é uma evidência suficiente desta tese. A acoplagem de instrumentos observacionais e conceptuais sofisticados com mecanismos de divulgação, revisão, testagem e aperfeiçoamento do conhecimento atribuem à ciência uma enorme capacidade de explicar, de prever o funcionamento e de atuar na realidade. O conhecimento científico é, por isso, particularmente adequado para a solução de problemas.

A investigação das correlações forma-função e forma-habitat nas plantas serve para ilustrar a natureza do conhecimento científico e a humildade que deve caracterizar a atitude científica. Toda a informação em ciência tem um propósito. A botânica não se fica pela descrição de padrões morfológicos das plantas, procura uma explanação para as descrições ou coleções de factos, respostas à pergunta «porquê»? A função de muitas formas, internas e externas, das plantas é autoevidente: os tubos ocos do xilema transportam seiva e as gavinhas servem para ancorar as plantas aos seus suportes. A função das formas é progressivamente mais difícil de deslindar quanto maior a complexidade biológica (definida como o número de tarefas que um organismo desempenha de modo a crescer, sobreviver e reproduzir-se) e o número de trade-offs evolutivos em jogo (o número de características cuja evolução compromete o desenvolvimento de outras). Mostra a teoria que, nestas situações, é possível mais do que uma solução fenotípica bem-sucedida para o mesmo ambiente seletivo, as quais, por sua vez, podem dar origem a plantas com aspecto (hábito) totalmente distinto (Niklas, 1988, 2004). Por essa razão, numa savana ou numa floresta tropical coexistem árvores com uma arquitetura da canópia ou com folhas tão diferentes. Por outro lado, algumas formas atuais foram evolutivamente adquiridas num passado remoto, e no presente não desempenham qualquer função ou têm uma função distinta da função primordial. As formas podem até nunca ter desempenhado qualquer função e a sua retenção ser uma obra do acaso.

Relacionar a forma com o desempenho de uma dada função exige uma ampla base indutiva observacional e, se possível, corroboração experimental. Proposições teleológicas do género «as plantas desenvolveram espinhos para evitar a herbivoria» devem ser evitadas, a menos que explicitadas como hipóteses ou fortemente suportadas pela evidência. A especulação em torno das relações forma-função envolve, por conseguinte, incertezas. Pedimos, por isso, que o utilizador deste texto mantenha uma atitude de permanente reserva crítica em relação a muitos dos temas adiante discutidos. De qualquer modo, este tipo de raciocínio, o raciocínio adaptacionista (adaptationism ou adaptive thinking), «... não é opcional; é o coração e a alma da biologia evolutiva» – a «exclusão do adaptacionismo... conduziria ao colapso de todas as ciências da vida» (Dennett cit. (Godfrey-Smith, 2001)). Muitos estudos (e modelos matemáticos) de forma-função vão ainda mais longe quando admitem a priori (como ponto de partida teórico) que a fitness darwiniana (sucesso reprodutivo) conferida por uma determinada característica em estudo está maximizada ou quase, i.e., foi optimizada pela seleção natural (vd. (Maynard Smith, 1978)). Veremos alguns exemplos nos pontos sobre polinização (e.g., o movimento dos polinizadores numa inflorescência ou a produção de néctar de uma flor).

Os caracteres moleculares são, hoje, tão ou mais valorizados do que os caracteres morfológicos na modelação das interações genótipo-ambiente, no estabelecimento de filogenias, na investigação de padrões filogeográficos e na delimitação de taxa. Mas se o fenótipo é um produto direto da expressão génica, então a aprendizagem da morfologia externa e interna ou da biologia da reprodução das plantas deve preceder a «descida» à fisiologia e ao gene, e os estudos de up-scaling do gene à estrutura. A aplicação de ferramentas de ponta de melhoramento de plantas como o desenho de ideotipos e a modelação funcional-estrutural (de Vos et al., 2010) dependem de um perfeito domínio da forma das plantas. A filogenia e a sistemática molecular ganharam, nas últimas décadas, uma importância acrescida em biologia, sendo, no entanto, consensual entre os especialistas que a morfologia e os dados moleculares são complementares – um tipo de informação não dispensa o outro (Ronse De Craene & Wanntorp, 2011).

Basear a explicação do sucesso ecológico de uma linhagem – medido, por exemplo, pela proporção da biomassa ou de recursos capturados num dado ecossistema – em função das características ecofisiológicas (e.g., eficiência fotossintética ou de utilização da água) em detrimento da morfologia é outra idiossincrasia da ciência atual. De facto, excetuando ambientes muito particulares ou extremos (e.g., solos salinos), a fisiologia vegetal é, por si só, incapaz de explicar o sucesso ecológico (e evolutivo) porque o crescimento e a competição estão correlacionados com características estruturais (Kuppers, 1994).

A sistemática oferece um conjunto de conceitos, princípios, métodos e informação descritiva que possibilita a apreensão da diversidade vegetal de forma rápida e estruturada. A partilha de caracteres morfológicos nas plantas deve-se, frequentemente, à partilha de antepassados comuns. Por conseguinte, a sistemática vegetal permite, ainda, aos seus utilizadores, o aperfeiçoamento de capacidades inatas de antecipação da organização do mundo vivo à escala da perceção visual (questão a retomar no início do volume II).

A botânica sistemática é, simultaneamente, uma ciência secular e uma ciência moderna e de vanguarda, na confluência de um conjunto alargado de ciências fundamentais; e.g., evolução, histologia e ecologia. No passado, reduzia-se à prática da classificação biológica das plantas. Hoje, é indispensável em ecologia – em ecologia as biocenoses são geralmente segmentadas ao nível da espécie ou da família –, em paleoclimatologia, no melhoramento de plantas, e na testagem de hipóteses de biogeografia e de biologia da evolução, por exemplo.

(Ronse De Craene & Wanntorp, 2011) criticam duramente o efeito negativo que o fascínio pelo molecular está a ter na persistência e no progresso do conhecimento sobre a morfologia das plantas e a sua sistemática, i.e., na botânica dita geral ou clássica. Insidiosamente, a universidade (assim como o ensino não universitário) está a eliminar a botânica geral dos curricula, quebrando, de forma irreparável, uma cadeia secular de transmissão de saberes, trocando-os por conhecimentos hiperespecializados, sem uma imediata aplicação prática ou uma contribuição significativa para melhor compreender o mundo. Faz sentido saber de cor os ciclos de Krebs e de Calvin-Benson ou a mecânica do DNA sem perceber o corpo das plantas? De acordo com os mesmos autores, a falta de investimento na botânica clássica está em contraciclo com a crise da biodiversidade que ameaça as sociedades modernas. A sobrevalorização do molecular reduz a utilidade social do sistema de ensino. As novas gerações perderam o contacto com o mundo biológico e, como se não bastasse, a escola aprofunda ainda mais este défice com nefastas implicações no bem-estar humano (Gullone, 2000; Wilson, 1984).

Uma tendência análoga percorre atualmente a Ecologia, enquanto disciplina científica, no que respeita à matematização que muitos académicos parecem esgotar em si mesma e com pouca correpondência no investimento em conhecimento ecológico e taxonómico profundo. Este último é entendido como uma fase da ciência ecológica dita «de Naturalismo», em que se investiu no conhecimento taxonómico e na descrição de organismos, ecossistemas e territórios por via da recolha intensa de grandes volumes de dados. As capacidades computacionais e de recolha distribuída de dados em rede, desde sequências de bases de genomas inteiros de inúmeros organismos a bases de dados de inventários de vegetação, facilitam uma intensa atividade numa fase científica de síntese e procura de padrões biológicos e ecológicos universais. Falamos do Big Data e das capacidades de modelação e simulação que derivam da disponibilidade de dados biológicos, ecológicos e ambientais globais. São exemplos de bases de dados de parcelas de inventários de vegetação, a nível ibérico e macaronésico, o SIVIM – Sistema de Información de la Vegetación Ibérica y Macaronésica; a nível europeu, o European Vegetation Archive (EVA); e, a nível mundial, o sPlot – The Global Vegetation Database. O problema não é, evidentemente, o desenvolvimento da bio- e da ecoinformática; é, ao invés, um subinvestimento material e humano em equipas capazes de dominar simultaneamente a ciência dos dados e conter valências de conhecimento biológico (taxonómico) e ecológico de campo profundo, de modo a poder responder a problemas e hipóteses científicas relevantes e prementes, sejam as ligadas às perdas de biodiversidade ou às alterações climáticas.

A ciência da vegetação ou fitossociologia contemporânea, felizmente, tem demonstrado um equilíbrio entre o conhecimento taxonómico e ecológico de base, dito naturalístico, e a sofisticação e vanguarda nos métodos de análise de dados, nos campos da estatística multivariada, modelação, análise espacial, da ciência dos dados e, mais recentemente, incluindo a informação evolutiva e filogenética na análise da vegetação. Tais desenvolvimentos têm tentado, sem renegar o legado científico passado, prosseguir a par da tendência eminentemente quantitativa e computacional das restantes ciências ecológicas.

CONVENÇÕES DE NOMENCLATURA E TERMINOLOGIA

Os nomes dos grupos taxonómicos (ou taxa, singular taxon) foram grafados em fonte romana ou itálica, dependendo da categoria. Apenas os nomes genéricos, específicos e infraespecíficos foram grafados em itálico (e.g., Celtis australis), tendo-se optado por não italicizar os nomes dos taxa de categoria superior à do género, como os da família (e.g., Ulmaceae), ordem, classe e divisão. De qualquer modo, o Código Internacional de Nomenclatura para Algas, Fungos e Plantas, abreviado como ICN (do inglês, International Code of Nomenclature), não impõe regras a este respeito: «typography is a matter of editorial style and tradition, not of nomenclature» (Turland et al., 2018).

As categorias taxonómicas foram abreviadas da seguinte forma, de acordo com a Recomendação 5A do ICN:

cl. (classe);

ord. (ordem);

fam. (família);

subfam. (subfamília);

tr. (tribo);

gen. (género);

subgen. (subgénero);

sect. (secção);

ser. (série);

sp. (espécie);

subsp. (subespécie);

var. (variedade);

f. (forma).

Para evitar redundâncias fonéticas, os nomes das espécies foram, por vezes, abreviados, reduzindo a primeira palavra (i.e., o nome do género) à primeira letra (e.g., Q. robur para Quercus robur e C. fuscatum para Chamaemelum fuscatum).

À exceção dos nomes genéricos, específicos e infraespecíficos, admite-se que todos os nomes latinos podem ser vernaculizados. Os nomes latinos dos taxa supragenéricos foram traduzidos sob a forma de substantivos adjetivados comuns, femininos e plurais (Font Quer 1985). Os sufixos previstos pelo ICN foram aportuguesados do seguinte modo:

phyta em «-fitas» (divisão ou filo);

phytina em «-fitinas» (subdivisão ou subfilo);

opsida em «-ópsidas» (classe);

idae em «-idas» (subclasse);

ales em «-ales» (ordem);

ineae em «-íneas» (subordem);

aceae em «-áceas» (família);

oideae em «-oídeas» (subfamília);

eae em «-eas» (tribo);

inae em «-inas» (subtribo).

Alguns exemplos: angiospérmicas, liliópsidas, ‘coníferas’, fabales, asteráceas, mimosoídeas.

O PhyloCode – Código Internacional de Nomenclatura Filogenética admite o uso de nomes informais e formais na designação dos clados (grupos monofiléticos) e estabelece regras de ortografia para o efeito. Uma vez que o PhyloCode não passou ainda a fase de rascunho, no presente texto todos os clados foram designados de forma informal, escritos em cursivo e iniciados com minúsculas. Nas publicações de filogenética vegetal em língua inglesa, os nomes informais dos clados geralmente terminam em «ids». Na sua tradução para português, optou-se por substituir «ids» por «ídeas» (e.g., rosids em rosídeas e lamids em lamiídeas). De momento, parece ser esta a prática mais comum em língua portuguesa.

Os grados (grupos parafiléticos) estão em minúsculas cursivas e assinalados geralmente com aspas simples (e.g., ‘briófitos’ e ‘coníferas’). As relações filogenéticas entre os grupos que constituem os clados foram pontualmente expressas em formato Newick (e.g., clado fixador de azoto das fabídeas = Fabales, (Rosales [Cucurbitales,Fagales]).

Em acordo com (Font Quer, 1985; Louro, 1943), tomaram-se como esdrúxulas e masculinas as palavras de etimologia grega derivadas de fito(transliteração de Φυτό), «planta», ou de filos (transliteração de φίλος), «amigo». Alguns exemplos: xerófito (planta adaptada a ambientes secos), heliófilo (que aprecia a luz), fitófilo (aquele que ama as plantas), espermatófito (planta com semente) e gametófito (indivíduo haploide parte integrante do ciclo de vida haplodiplonte característico das plantas terrestres). Pela mesma razão, desde que não se refiram a um taxon com a categoria de divisão, são incorretos os termos espermatófita, briófita e pteridófita, tão comuns na bibliografia botânica em língua portuguesa. As palavras compostas com a raiz grega phyllo ou filo (transliteração do grego moderno φύλλο), «folha», são graves, não tendo acento gráfico, como, por exemplo, esporofilo (estrutura foliar que suporta esporângios) e mesofilo (interior parenquimatoso da folha).

Segundo (Louro, 1943), gimnospermos, angiospermos, monocotilédones e dicotilédones são melhores do que gimnospérmicas, angiospérmicas, monocotiledóneas e dicotiledóneas, respetivamente. Nestes casos, usaram-se as versões no feminino porque estão consagradas pelo uso.

Na bibliografia portuguesa e internacional, as vernaculizações de Magnoliophyta e de muitos outros nomes originalmente criados de acordo com as regras do ICN para apelidar taxa estão a ser usadas para designar clados sem categoria taxonómica definida. Então, o sufixo -phyta deveria ser vernaculizado no masculino quando designar um grupo de plantas sem categoria taxonómica definida, e no feminino se se referir a um taxon com a categoria «divisão». Consoante o contexto, os termos espermatófitos e espermatófitas poderão estar ambos corretos. Como se defenderá, por mais de uma vez, ao longo do volume III, à escala dos grandes grupos de seres vivos não é prioritário precisar a categoria taxonómica – importante é sim identificar as hipóteses filogenéticas implícitas no seu uso. Portanto, será usado o vocábulo masculino «magnoliófitos».

Os nomes vulgares das plantas foram escritos em minúsculas e hifenizados (e.g., lódão-bastardo).

A grafia dos nomes de cultivares, em acordo com o Código Internacional de Nomenclatura das Plantas Cultivadas, abreviado pela sigla inglesa ICNCP (Brickell et al., 2009), obedeceu a três regras (volume II): (i) primeira letra do nome em maiúscula; (ii) hifenização de todas as palavras nos nomes compostos; (iii) intercalação entre aspas simples ou, então, precedidos da abreviatura «cv.». Dois exemplos: alface ‘Orelha-de-mula’ e macieira cv. Starking.

AGRADECIMENTOS: VOLUME I

Estou grato aos colegas Ana Maria Carvalho, José Alberto Pereira, Paula Minhoto, Rubim Almeida da Silva, Helena Hespanhol, Henrique Pereira dos Santos, Luís Miguel Moreira e Ana Francisco pela leitura crítica de alguns capítulos. O João Lourenço alertou-me para algumas ingenuidades nas partes mais filosóficas do texto.

Endereço um agradecimento particular aos responsáveis pela edição deste volume na Imprensa Nacional-Casa da Moeda, aos colegas Luís Santos (ESAB-IPB) e Tiago Monteiro Henriques, e muito em especial, à minha professora no Instituto Superior de Agronomia no longínquo ano letivo de 1981/82, Profª Lisete Caixinhas, pelo esforço dedicado ao melhoramento do texto.

É-me impossível enumerar todos os comentários, referências bibliográficas e palavras de apoio recebidas nestes últimos anos. A todos, muito obrigado.

Agradeço penhoradamente à Câmara Municipal de Lisboa, na pessoa do Sr. Vereador de Ambiente, Estrutura Verde, Clima e Energia, José Sá Fernandes, a oportunidade de divulgar esta publicação junto do grande público.

Evidentemente, todos os erros são da minha inteira e exclusiva responsabilidade.

Dedico ao meu gineceu...

REFERÊNCIAS (ADIÇÃO AO ORIGINAL)

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Brickell, C., Alexander, C., David, J., Hetterscheid, W., Leslie, A., Malecot, V., Jin, X., & Cubbey, J. (2009). International Code of Nomenclature for Cultivated Plants (ICNCP or Cultivated Plant Code). Scripta Horticulturae, 10, 1–184.

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FICHEIROS PDF DA EDIÇÃO EM PAPEL PUBLICADA PELA IMPRENSA NACIONAL CASA DA MOEDA E PELA CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA (ADIÇÃO AO ORIGINAL)

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https://imprensanacional.pt/wp-content/uploads/2022/03/Evolucao-das-Plantas.pdf?btn=red 

https://imprensanacional.pt/wp-content/uploads/2022/03/Sistematica-das-Plantas-Vasculares.pdf