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CONCEITO DE PLANTA

CONCEITO DE PLANTA

No século iv a.C., Aristóteles dividiu os seres vivos em dois grandes grupos, que, depois de Carl Linnaeus (1707-1778), foram categorizados ao nível do reino: os reinos Plantae e Animalia (= Metazoa). Em 1866, o zoólogo alemão Ernst H. Haeckel (1834-1919) reconheceu que nem todos os seres vivos são animais ou plantas e sugeriu, então sem grande sucesso no meio académico, a criação de um novo reino – o reino Protista – para absorver os atuais procariotas, os protozoários, as algas e os fungos, um imenso biota entretanto desvendado pelos progressos da microscopia. Durante boa parte do século xx, os livros-texto de botânica, além das plantas terrestres, incluíram no reino das Plantas todo o tipo de algas, os fungos e até alguns grupos de bactérias (Hagen, 2012). Somente em 1962, quase cem anos depois da proposta de E. Haeckel, os microbiologistas R. Y. Stanier e C. B. van Niel clarificaram a dicotomia fundamental da vida entre procariotas e eucariotas, identificada na década de 1920 pelo biólogo francês Édouard Chatton (1883-1947), eliminando, em definitivo, a clássica oposição planta-animal.

Robert Whittaker (1920-1980) propôs, com um enorme êxito, um sistema de classificação alternativo à aproximação lineana, com cinco reinos (Whittaker, 1969): Monera, Protista, Animalia, Fungi e Plantae. Este conhecido sistema tem uma índole funcional e ecológica – R. Whittaker era um ecólogo de vegetação.

O sistema de classificação de Whittaker baseia-se em três critérios (Hagen, 2012):

·       Nível de organização – procariotas vs. eucariotas; unicelularidade vs. multicelularidade;

·       Modo de nutrição – autotrofia, ingestão ou absorção;

·       Nível trófico – produtores, consumidores ou decompositores.

As plantas, sensu Whittaker, são seres eucariotas, pluricelulares, autotróficos e produtores.

O sistema de Whittaker não expressa qualquer tipo de relação evolutiva. Por exemplo, para Whittaker uma alface-do-mar (Ulva lactuca) é uma planta; outra alga verde fotossintética unicelular evolutivamente próxima da alface-do-mar, um protista. Os conhecimentos de bioquímica, fisiologia, genética e biologia evolutiva acumulados nas últimas décadas, a par da progressiva aceitação do princípio da monofilia (principle of monophyly) – os taxa têm de incluir todos, e apenas, os descendentes de um ancestral comum (volume II) –, implicaram uma redução significativa da circunscrição do conceito de planta e a progressiva substituição do sistema ecológico/funcional de R. Whittaker por sistemas de classificação filogenéticos. Afinal nem todas as plantas são pluricelulares, e nem todos os seres multicelulares autotróficos são plantas.

As plantas são eucariotas (domínio Eukaryota), um dos três domínios da vida celular definidos por (Woese et al., 1990). Embora a origem dos eucariotas permaneça um dos maiores desafios da biologia evolutiva atual (Lane, 2015) (volume II), o conhecimento das relações filogenéticas entre os grandes grupos de eucariotas está a evoluir rapidamente e a ser incorporado nos sistemas de classificação. Está claro que embora as plantas, os animais e os fungos agrupem a vasta maioria das espécies de eucariotas conhecidas, representam uma pequena porção da diversidade eucariótica.

O sistema de classificação de (Adl et al., 2012) reconhece cinco supergrupos de eucariotas: Opisthokonta, Amoebozoa, Excavata, SAR e Archaeplastida. Grosso modo, os Opisthokonta incluem, entre outros seres, os fungos (Fungi) e os animais (Metazoa); as Amoebozoa e as Excavata reúnem essencialmente seres unicelulares; os oomicetas (Peronosporomycetes, = Oomycetes), as algas castanhas (Phaeophyceae) e as diatomáceas (Diatomea, = Bacillariophyta) são os grupos de SAR mais conhecidos; as plantas são colocadas no supergrupo Archaeplastida. No esquema de (Burki et al., 2020a), a mais recente e consensual filogenia dos grandes grupos de eucariotas, admitem-se sete supergrupos e diversos clados de parentesco não resolvido; as Archaeplastida são o único supergrupo considerado por (Adl et al., 2012) de circunscrição conservada. Aguardam-se, porém severas alterações nas Archaeplastida com a descoberta de dois pequenos grupos de protozoários não fotossintéticos aparentados com as algas vermelhas, Rhodelphida e Picozoa (Gawryluk et al., 2019; Schön et al., 2021). A recente revisão do sistema de (Adl et al., 2012)  trouxe alterações profundas na taxonomia dos grandes grupos de eucariotas que não serão, porém, aqui abordadas (Adl et al., 2019).

Para K. Niklas todos os eucariotas fotossintéticos são plantas (K. J. Niklas, 2000). Outros autores restringem o conceito às plantas terrestres (Plantae s.str.); a maioria opta por uma solução intermédia. Por conseguinte, o nome Plantae é equívoco porque, desde a fundação da moderna nomenclatura biológica por Linnaeus, nos meados do século xviii, foi usado com demasiados sentidos. Uma solução parcimoniosa corrente para este inconveniente passa pela sua substituição pelo nome Archaeplastida, com a categoria informal (não reconhecida pelos Códigos de Nomenclatura Biológica) de supergrupo (Adl et al., 2012).

Com base na síntese de (Bowles et al., 2023), faz-se em seguida um resumo da organização taxonómica e da nomenclatura dos grandes grupos de arqueplastidas, i.e., das plantas (Figura 2)[1],[2].

As arqueplastidas incorporam os seguintes grupos de organismos:

·       Arqueplastidas = algas vermelhas + glaucófitos + plantas verdes.

As plantas verdes, o maior dos grupos de arqueplastidas, repartem-se por três grandes linhagens:

·       Plantas verdes = prasinodermatófitos + clorófitos + estreptófitos.

Os estreptófitos[3], por sua vez, são constituídos por um grupo parafilético de ‘algas verdes’ longamente explorado no volume II– as Charophyta –, mais as plantas terrestres, seus descendentes diretos. Então:

·       Estreptófitos = ‘carófitos’ + plantas terrestres.

Por fim, as plantas terrestres abrangem quatro grandes grupos monofiléticos (Figura 3) (Leebens-Mack et al., 2019):

·       Plantas terrestres = briófitos + licopodiófitos[4] + fetos + plantas com semente.

 

Figura 2 Relações evolutivas entre os grupos basais de plantas. As aspas simples assinalam os grupos parafiléticos. N.b.: as algas verdes são um grupo parafilético porque não incluem todos os descendentes de um ancestral comum (excluem as plantas terrestres) estando, por isso, grafados entre aspas simples. [Filogenia baseada em Leliaert et al. (2012) e Figueroa-Martinez et al. (2019).]

 

 

Sendo (Figura 3):

·       Plantas vasculares = licopodiófitos + fetos + plantas com semente

·       Briófitos = antóceros + hepáticas + musgos;

·       Fetos = equisetófitos + ophioglossófitos + marattiófitos + polipodiófitos;

·       Plantas com semente = gimnospérmicas + plantas com flor;

·       Gimnospérmicas = Ginkgoidae + Cycadidae + Cupressidae + Pinidae + Gnetidae.

3B Conocephalum conicum 8978.jpg 

Figura 3 Relações evolutivas entre os grandes grupos de plantas terrestres. A) Filogenia baseada em Liu et al. (2014) e Yang et al. (2019) para os ‘briófitos’, Testo & Sundue (2016) e Schuettpelz et al. (2016) para os fetos, Ran et al. (2018) para as gimnospérmicas e Ruhfel et al. (2014) para as angiospérmicas; nomenclatura resumida no Quadro 2. B) Conocephalum conicum (Conocephalaceae, Marchantiidae). C) Bryum dichotomum (Bryaceae, Bryidae). D) Phaeocerus sp. (Notothyladaceae, Anthocerotidae). E) Huperzia dentata (Huperziaceae, Lycopodiidae). F) Equisetum telmatea (Equisetaceae, Equisetidae). G) Botrychium lunaria (Ophioglossaceae, Ophioglossidae). H) Marattia laevis (Marattiaceae, Marattiidae). I) Culcita macrocarpa (Culcitaceae, Polypodiidae). J) Cycas revoluta (Cycadaceae, Cydadidae). K) Ginkgo biloba (Ginkgoaceae, Ginkgoidae). L) Metasequoia glyptostroboides (Cupressaceae, Cupressidae). M) Larix decidua (Pinaceae, Pinidae). N) Ephedra fragilis (Ephedraceae, Gnetidae). O) Agapanthus africanus (Amaryllidaceae, Magnoliidae). P) Lophira lanceolata (Ochnaceae, Magnoliidae). [A) original; B-F e H-P) fotografias do autor; G) Wikimedia Commons.]

 

Os briófitos são, provavelmente, um grupo monofilético (= clado, monphyletic group, clade), i.e., incluem todos, e apenas, os descendentes de um ancestral comum (Harris et al., 2020). Como se verá no volume II, as primeiras plantas a colonizarem a terra firma, algures no final do Câmbrico (541-485 M.a.) ou no início do Ordovícico (485-458 M.a.), pertenciam a um grupo, hoje extinto, provavelmente taloso com um corpo gametofítico semelhantes ao dos atuais antóceros e de muitas hepáticas (Edwards et al. 2014, Morris et al. 2018). São igualmente monofiléticos três importantes grupos sem categoria formal: os traqueófitos, os fetos e as plantas com semente.

Os chamados ‘pteridófitos’ agrupam licopodiófitos e fetos propriamente ditos: são um grupo parafilético (= grado, paraphyletic group, grade) porque não incluem todos os descendentes de um ancestral comum. Apesar de frequente na bibliografia, o uso do termo “pteridófito” deve ser descontinuado, como está acontecer com os termos criptogâmico e fanerogâmico. Os briófitos, os licopodiófitos e os fetos são ‘plantas de esporulação livre’ (free sporing plants), i.e., disseminam-se por esporos. Nas plantas com semente, os esporos estão retidos no interior do primórdio seminal e em sua vez dispersam-se sementes.

As plantas com semente são o objeto deste livro.

No Quadro 2 faz-se um enquadramento taxonómico formal dos principais grupos de plantas terrestres (relações evolutivas explicitadas nas Figuras 2 e 3).

 

QUADRO 1.                               

Grandes grupos de plantas abordados neste texto. Baseado em (Bowles et al., 2023; Chase & Reveal, 2009; M. J. M. Christenhusz et al., 2011; Schuettpelz et al., 2016).

Categoria taxonómica

Grupo taxonómico

Nome vulgar (português)

Nome vulgar (inglês)

Ordenação hierárquica dos grandes grupos de plantas terrestes (vd. figura 3)

Sem categoria formal

Archaeplastida (= Plantae s.l.)

Arqueplastidas, plantas

Plants

Sem categoria formal

Viridiplantae

Plantas verdes

Green plants

Sem categoria formal

Streptophyta

Estreptófitos

Streptophytes

Classe

Embryopsida

Plantas terrestres, embriófitos

Terrestrial plants, embryophytes

Sem categoria formal

Bryophyta

Briófitos

Bryophytes

Subclasse

Anthocerotidae

Antóceros

Hornworts

Subclasse

Marchantiidae

Hepáticas

Hepatics, liverworts

Subclasse

Bryidae

Musgos

Mosses

Sem categoria formal

Tracheophyta

Plantas vasculares, traqueófitos

Vascular plants

Subclasse

Lycopodiidae

Licófitos, licopodiófitos, licopódios

Lycophytes, polydiophytes, lycopods

Sem categoria formal

Monilophyta

Fetos, monilófitos

Ferns, monilophytes

Subclasse

Equisetidae

Equisetidas, equisetófitos, equisetas, cavalinhas

Horsetails

Subclasse

Ophioglossidae*

Ophioglossidas, ophioglossófitos, psilotófitos**

Ophioglossophytes

Subclasse

Marattiidae

Marattiidas, marattiófitos

Marattiophytes

Subclasse

Polypodiidae

Polipodiidas, polipodiófitos, fetos verdadeiros, fetos leptoesporangiados

True ferns, leptosporangiate ferns

Sem categoria formal

Spermatophyta

Plantas com semente, espermatófitos

Seed plants, spermatophytes

Subclasse

Ginkgoidae

Ginkgoídas, ginkgófitos, ginkgos

Ginkgophytes

Subclasse

Cycadidae

Cicadidas, cicadófitos, cicas

Cycadophytes

Subclasse

Cupressidae***

Cupressidas, cupressófitos

Cupressophytes

Subclasse

Pinidae

Pinidas, pinófitos

Pinophytes

Subclasse

Gnetidae

Gnetidas, gnetófitos

Gnetophytes

Subclasse

Magnoliidae (= Angiospermae)

Angiospérmicas, magnoliófitos, magnoliidas, plantas com flor

Flowering plants, angiosperms

Outros grandes grupos de plantas usados neste texto (ordenação não hierárquica)

Sem categoria formal

 Rhodophyta

Algas vermelhas; rodófitos

Rhodophytes, red algae

Sem categoria formal

 Prasinodermatophyta

Prasinodermatófitos

Prasinodermatophytes

Sem categoria formal

Glaucophyta

Glaucófitos

Glaucophytes

Sem categoria formal

Chlorophyta

Clorófitos

Chlorophytes

Sem categoria formal

‘Charophyta’

‘Carófitos’

Charophytes

Sem categoria formal

Gymnospermae

Gimnospérmicas

Gymnosperms

* Psilotidae (psilotófitos) até há bem pouco tempo.

** Designação mais corrente na bibliografia.

*** Pinidae s.l. (Pinales + Araucariales + Cupressales) é parafilética (Leebens-Mack et al., 2019; Ran et al., 2018) . A solução passa por recuperar a subclasse Cupressidae (Araucariales + Cupressales) não admitida por (M. J. M. Christenhusz et al., 2011).

 

Uma vez que este texto versa as plantas com semente, e as ‘plantas de esporulação livre’ são ciclicamente recordadas, impõe-se, desde já, uma importante questão: o que é uma planta terrestre? As plantas terrestres são um taxon monofilético de plantas adaptadas a ambientes terrestres, secundariamente aquáticas, cujos elementos partilham um conjunto alargado de características funcionais e estruturais herdado do ancestral comum, resumidas no Quadro 3. No Quadro 4 comparam-se vários grupos de plantas, grupos algais incluídos.

 

QUADRO 3

Principais características estruturais e funcionais das plantas terrestres. Baseado em (Ingrouille & Eddie, 2006) com adições.

Característica

Descrição

Estrutura celular eucariótica

Células com um núcleo e outras estruturas intracelulares complexas encerradas por membranas.

Multicelularidade

Indivíduos com mais de uma célula, células estas com diferentes funções e interdependentes entre si.

Imobilidade

Organismos fixos ao substrato durante grande parte do seu ciclo biológico, com fases de dispersão breves sob a forma de propágulos (e.g., rizomas), esporos (nas ‘plantas de esporulação livre’), ou pólen e sementes (nos espermatófitos).

Estrutura modular

Indivíduos constituídos pela repetição de unidades multicelulares discretas, i.e., por módulos, de grande autonomia funcional (semiautónomos) («v. Estrutura modular das plantas. Totipotência celular»).

Elevada plasticidade fenotípica

Capacidade de um determinado genótipo alterar a sua morfologia em função das condições ambientais («v. Estrutura modular das plantas. Totipotência celular»).

Crescimento indeterminado

Indivíduos crescem continuamente até à senescência, ainda que este crescimento possa ser interrompido por períodos de quiescência/dormência mais ou menos prolongados («v. Organização do corpo das plantas com semente»).

Paredes celulares celulósicas

Estrutura rígida que envolve o protoplasma maioritariamente constituída por celulose, um polímero de α-glicose.

Cutícula

Camada externa não celular, cerosa, de proteção dos órgãos aéreos primários («v. Epiderme»).

Revestimento de algumas estruturas reprodutivas com esporopolenina

Biopolímero complexo, de composição química mal conhecida, muito resistente à agressão química, empregado pelas plantas na proteção de esporos e grãos de pólen contra os raios UV e a dessecação («v. Pólen»).

Fotoautotrofia

Produzem compostos orgânicos complexos e ricos em energia a partir de moléculas inorgânicas simples (e.g., H2O, CO2, K+, e NO3-), e da energia química (sob a forma de ATP) e do poder redutor (sob a forma de NADPH2) gerados pelas moléculas de clorofila excitadas pela luz solar.

Órgãos assimiladores* com uma elevada relação superfície/volume

Elevada relação superfície/volume conseguida através da redução da espessura das folhas e do diâmetro das raízes; uma consequência da fototrofia e do consumo de alimentos inorgânicos diluídos («v. Volume e superfície nas plantas»).

Estomas

Pequenas aberturas com células-guarda por onde se processam as trocas gasosas com o exterior na superfície dos órgãos aéreos primários («Anatomia da folha [nomofilo]»). Os estomas são exclusivos do esporófito; não têm estomas os esporófitos das hepáticas e de alguns grupos de musgos e antóceros (Merced & Renzaglia, 2017).

Órgãos especializados na absorção de nutrientes do solo

Rizoides (nos ‘briófitos’ e no protalo dos ‘pteridófitos’) ou sistema radicular (no esporófito dos ‘pteridófitos’ e das plantas com semente) («v. Natureza e funções da raiz»).

Órgãos fotossintetizadores suportados por um sistema tubular rígido

Sistemas de caules com folhas s.l., i.e., com filídios nos musgos, microfilos nos licopodiófitos ou megafilos nos eufilófitos (= fetos + plantas com semente) («v. Natureza e funções da folha»).

Ciclo de vida haplodiplonte heteromórfico

Com meiose desfasada da fecundação e alternância de duas gerações – fases haploide (gametófito) e diploide (esporófito) – de distinta morfologia («v. Ciclos de vida das plantas terrestres»).

Anterídios e arquegónios

Órgãos onde se diferenciam, respetivamente, gâmetas ♂ e ♀ (tremendamente simplificados nos espermatófitos; «v. Ciclos de vida das plantas terrestres»).

Esporângios

Órgãos onde se diferenciam esporos («Ciclos de vida das plantas terrestres»).

Embrião

Rudimento do esporófito; estrutura multicelular protegida por um tecido multicelular haploide (nos ‘briófitos’, ‘pteridófitos’ e gimnospérmicas) ou triploide (nas angiospérmicas) («v. Ciclos de vida das plantas terrestres»).

* Entende-se por assimilação a incorporação e conversão de nutrientes no protoplasma, processo que nas plantas envolve a fotossíntese nos órgãos herbáceos aéreos (caules primários e folhas) e a absorção de nutrientes pelas raízes.

 

 

QUADRO 4

Comparação resumida dos grandes grupos de plantas

Grupo

N.º de
espécies *

Geração
dominante no ciclo de vida

Embrião

Esporulação livre

Estomas no

esporófito

Tecidos vasculares

Cormo
(raiz, caule e megafilos)

Semente

Flor e fruto

Algas

glaucófitos

algas vermelhas

algas verdes

>21 000

15

7000

14 000

Sem alternância de gerações e domínio do gametófito**

Não

Sem esporos

Não

Não

Não

Não

Não

‘Briófitos’

hepáticas

musgos

antóceros

>13 000

7266

16 000

220

Gametófito (n)

Sim

Sim

 

Não

Sim**

Sim**

Não

Não

Não

Não

Licófitos

1340

Esporófito (2n)

Sim

Sim

Sim

Sim

Não

Não

Não

Fetos

ophioglossófitos

marattiófitos

polipodiófitos

10 892

110

120

10 662

Esporófito (2n)

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Não

Não

Gimnospérmicas

cicadófitos

ginkgófitos

cupressófitos

pinófitos

gnetófitos

1045

317

1

390

225

112

Esporófito (2n)

 

Sim

Não

Sim

Sim

Sim

Sim

Não

Angiospérmicas

246 366

Esporófito (2n)

Sim

Não

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

* Estimativa do número de espécies extraída de Roskov et al. (2019).

** Com exceções.

 

DESENVOLVIMENTO, CRESCIMENTO E SENESCÊNCIA

O termo desenvolvimento (= ontogénese; ontogenesis) refere-se à história das transformações estruturais vividas por um indivíduo, ou por uma parte de um indivíduo (e.g., uma folha, um ramo ou uma flor), desde o embrião, ou de um meristema, até à senescência. Por exemplo, diz-se que os espinhos folheares e caulinares têm uma ontogénese distinta porque os primeiros são folhas modificadas e os segundos caules modificados («v. Homologia e analogia. Princípio da homologia»).

O desenvolvimento das plantas envolve dois processos distintos: (i) crescimento e (ii) diferenciação.

O crescimento (growth) é um acréscimo da massa de células vivas originado pela multiplicação (mitose) e alongamento das células, geralmente associado a um aumento irreversível de tamanho e de matéria seca (biomassa em verde menos o peso da água). O crescimento é um processo quantitativo no sentido em que pode ser medido diretamente com fitas métricas ou balanças, por exemplo. Entende-se por velocidade ou taxa de crescimento o aumento de peso ou da dimensão por unidade de tempo. Distinguem-se quatro fases no crescimento das plantas, sejam elas anuais ou perenes, e às escalas do indivíduo ou da população monoespecífica: (i) um período inicial de crescimento lento (fase lag); (ii) crescimento rápido de tipo exponencial (fase log); (iii) redução progressiva da velocidade de crescimento; e (iv) a anulação da acumulação de biomassa e eventual declínio (fase estacionária). Estas quatro fases desenham uma sigmoide num gráfico a relacionar tempo com crescimento (Figura 4). Parece que as árvores individuais não seguem este padrão porque a taxa de crescimento não decai com a idade (Stephenson et al., 2014).

FIGURA 2.           Curva de crescimento das plantas. [Original.]

           

O crescimento refere-se a mudanças quantitativas no corpo das plantas, enquanto a diferenciação expressa alterações qualitativas. O número de tipos celulares, tecidos, órgãos e, em última instância, a fisionomia das plantas são uma consequência da diferenciação (differentiation) celular. A diferenciação é uma especialização das células em determinadas funções, necessariamente precedida pela transição entre diferentes programas genéticos a nível meristemático – a passagem da fase vegetativa à fase reprodutiva é, talvez, o melhor exemplo («v. Tipos de meristemas. Crescimentos primário e secundário»). O estudo da regulação da diferenciação nas plantas é um objeto clássico da fisiologia vegetal que ultrapassa os objetivos deste livro.

A senescência (senescence) pode ser definida como um processo de desenvolvimento altamente regulado que conduz à morte de células, órgãos (e.g., folhas) ou toda uma planta (Krupinska & Humbeck, 2008). Portanto, a senescência nem sempre é um sinónimo de morte do indivíduo. Por exemplo, as folhas das plantas caducifólias temperadas senescem em resposta a uma diminuição do comprimento do dia, ou à interação entre a redução das horas de luz e a queda da temperatura ambiente. Parte do seu conteúdo é, então, absorvido e relocalizado noutras partes da planta. No final do processo, diferencia-se uma camada de abcisão na base do pecíolo e as folhas tombam no solo. As folhas de um ramo extraído de uma árvore, pelo contrário, secam, ficam castanhas, sem se destacarem. As plantas anuais e bienais entram em senescência no final do ciclo de vida. As plantas perenes morrem por causas parasitárias ou colapsam de decrepitude, mecanismos que nada têm que ver com a morte programada (geneticamente controlada) por senescência.

ORGANIZAÇÃO DO CORPO DAS PLANTAS COM SEMENTE

Órgãos fundamentais

A homogeneidade do ambiente aquático ancestral foi pouco propícia à especialização celular e morfológica das plantas (K. Niklas, 2016). Na terra firma,os recursos encontram-se em dois compartimentos distintos, solo e atmosfera, facto que forçou a evolução de estruturas especializadas no corpo das plantas terrestres para “habitar” a terra e o ar. O esporófito – a fase diploide do ciclo de vida das plantas terrestres – das plantas vasculares é constituído por três órgãos fundamentais: raiz (root), caule (stem) e folha (leaf) (Troll 1948 cit. Classen-Bockoff 2001; Figuras 5 e 6). Na planta vascular arquétipo, as raízes absorvem água e nutrientes e ancoram o corpo da planta ao solo; os caules providenciam suporte mecânico e o transporte de substâncias entre a raiz e a parte aérea, e vice-versa; as folhas sequestram carbono da atmosfera sob a forma de moléculas carbonadas complexas com a intervenção da luz solar. Todas as estruturas das plantas resultam de modificações durante o processo evolutivo (mudanças evolutivas; evolutionary changes) ou ao longo do ciclo de vida (mudanças ontogénicas; ontogenetic changes) de um destes três órgãos. A flor, por exemplo, é um ramo curto muito modificado, com folhas especializadas na reprodução sexuada.

FIGURA 3.           Estrutura do embrião (cormo embrionário) e do cormo pós-embrionário de uma ‘dicotiledónea’. A) Embrião jovem: Co – cotilédone. B) Embrião maduro de uma semente cotiledonar: Hi – hipocótilo; Ra – radícula. C) Plântula: Rd – raiz primária. D) Estrutura do cormo de uma angiospérmica: Ga – gema apical; Rl – raízes laterais; Rd – raízes adventícias; Gx – gemas axilares. [Figura clássica de Sachs adaptada por Troll (1954).]

FIGURA 4.           Estrutura do cormo. Plântula de Lupinus albus (Fabaceae); comparar com a Figura 5. [Fotografia do autor.]

O conjunto das raízes, caules e folhas constitui o cormo (corm) ou corpo da planta (plant body). As partes do cormo não envolvidas na reprodução sexuada compõem o sistema vegetativo (= corpo vegetativo). O sistema reprodutivo (= corpo reprodutivo) compreende as estruturas reprodutivas nas gimnospérmicas, ou as inflorescências e as flores nas angiospérmicas.

As raízes e os caules exibem a nível anatómico uma simetria radial e, geralmente, têm um crescimento indeterminado (indeterminate growth). As folhas, pelo contrário, são, salvo raras exceções, determinadas e de simetria bilateral («v. Interações ecológicas com plantas»). Nos órgãos de crescimento determinado (determinate growth;, «v. Alongamento rameal»), como sejam as folhas e alguns tipos de caules (e.g., esporões), o crescimento e a diferenciação estão sujeitos a um estreito controlo genético, pouco sensível a fatores ambientais. As folhas representam um caso extremo de determinação porque, concluída a sua diferenciação, mantêm a mesma forma e estrutura interna até à senescência. Estão descritas algumas, muito raras, exceções. As folhas têm crescimento indeterminado na Welwitschia mirabilis (Welwitschiaceae, Gnetidae) (Figura 7) e em vários membros da família Gesneriaceae.

FIGURA 5.           Folhas de crescimento indeterminado. A Welwitschia mirabilis (Welwitschiaceae, Gnetidae) produz dois, eventualmente três, pares de folhas (von Willert 1993). O primeiro par – os cotilédones – é substituído por duas folhas opostas longas (até 4 m) persistentes durante toda a vida da planta (von Willert 1995). A produção de novas folhas cessa em seguida, ficando a planta truncada na extremidade distal. As duas folhas alongam-se continuamente pela base a partir de meristemas intercalares foliares situados na interface da folha com a coroa. A destruição dos meristemas intercalares pela herbivoria comprometem irremediavelmente a sobrevivência da planta. [Angola, Deserto do Namibe; fotografia do autor.]

As raízes inserem-se, geralmente, no colo (região de encontro do caule com o sistema radicular) ou em outras raízes. As raízes adventícias (adventitious roots), por definição, são emitidas por raízes lenhosas ou inserem-se em qualquer ponto da parte aérea, sobretudo nos nós dos caules, imediatamente abaixo da inserção das folhas («v. Tipos de raízes»). As raízes jamais possuem folhas, embora, por vezes, possam diferenciar gemas adventícias que, mais tarde, dão origem a novos caules e folhas. Os caules de origem radicular são designados, respetivamente, nas plantas lenhosas por pôlas ou rebentões radiculares, e nas plantas herbáceas vivazes por rebentos radiculares (Quadro 54).

As folhas inserem-se, num padrão regular, obliquamente nos nós (= verticilos caulinares; node) (Figuras 5-D e 6). O entrenó (internode) corresponde à porção de caule entre dois nós sucessivos. Nas éfedras (Ephedraceae) e nas casuarinas (Casuarinaceae), os entrenós destacam-se com facilidade – são articulados (Figura 8). Na axila de cada folha encontra-se, geralmente, pelo menos uma gema («v. Gemas»; bud), i.e., um aglomerado de células indiferenciadas com capacidade de se multiplicarem indefinidamente («v. Meristemas»), envolvido por esboços de folhas complementado, ou não, por um revestimento externo de folhas de proteção escamiformes (catafilos;, «v. Tipos de filomas»). A queda das folhas deixa uma cicatriz folhear (leaf scar) no nó, cuja forma tem valor diagnóstico em algumas famílias de plantas com flor (e.g., Moraceae; Figura 215-E). Na extremidade distal dos ramos situa-se uma gema apical (apical bud), e no seu interior um meristema apical caulinar. As gemas axilares (axilary buds), e os respetivos meristemas axilares, localizam-se, como se depreende do termo, na axila das folhas (Figuras 5-D e 6). Os meristemas apicais alongam os caules; os meristemas axilares ramificam-nos.

Nas plantas com semente, a formação do cormo inicia-se com a germinação da semente e, implicitamente, com a retoma do crescimento do embrião. O cormo embrionário consta de (Figuras 5-B e 203):

·       Radícula (raiz embrionária; radicle) – esboço de raiz;

·       Cotilédones (cotyledon) – filomas embrionários ricos em reservas ou com uma função haustorial («v. Embrião»);

·       Plúmula ou gémula (plumule) – esboço de caule com folhas embrionárias a envolverem o meristema apical embrionário.

Nas eudicotiledóneas, os entrenós situados abaixo e acima dos cotilédones são conhecidos, respetivamente, por hipocótilo (hypocotyl) e o epicótilo (epicotyl). Nas Poaceae, o primeiro entrenó do caule acima do escutelo («v. Semente e germinação do milho-graúdo») merece uma designação especial: mesocótilo (mesocotyl; Figura 307-B). O colo corresponde à zona de transição entre a raiz e o caule. Na semente, como se verá, o embrião está acompanhado por tecidos de reserva, e o conjunto «embrião + tecidos de reserva» envolvido por um tegumento.

O corpo de plantas e animais: análise comparativa

A evolução das plantas (Archaeplastida) ocorreu numa etapa precoce da história evolutiva dos eucariotas. Os estudos filogenómicos suportam a hipótese da origem dulçaquícola da endossimbiose fundadora da linhagem dos eucariotas fotossintéticos e colocam a sua evolução na primeira metade do Paleoproterozoico, ~2.100 M. a.; o ancestral comum das plantas atuais, i.e., o grupo coroa das arqueplastidas, terá ~1900 M. a.  (Sánchez-Baracaldo et al., 2017)[5]. Por conseguinte, as linhagens que deram origem às plantas e animais atuais divergem há ca. 2.100 M.a., desde o momento em que a cianobactéria ancestral de todos os cloroplastos ficou retida e se reproduziu no interior da alga primordial. Enquanto os animais prosseguiram na senda da heterotrofia herdada do último ancestral comum aos dois clados, as plantas exploraram as oportunidades evolutivas abertas pela autotrofia. Estão em causa duas formas antitéticas de obter energia. Não surpreende, por isso, que a ontogénese e a estrutura do corpo dos animais e das plantas sejam tão diferentes. Exploremos, então, o que mais os distingue.

Fotoautotrofia vs. heterotrofia

As plantas, e todos os seres vivos que povoam o planeta Terra, são máquinas biológicas e, como tal, sujeitos à segunda lei da termodinâmica: para crescerem, reproduzirem-se ou, simplesmente, para permanecerem vivos, consomem e dissipam energia. Uma interrupção prolongada no abastecimento de energia traduz-se numa desorganização das células e na morte dos indivíduos. Os animais são heterotróficos: obtêm a energia de que necessitam e constroem o seu corpo a partir de compostos orgânicos complexos adquiridos por ingestão. As plantas têm um metabolismo energético muito distinto – são seres fotoautotróficos; p. Pela intervenção da molécula verde, a clorofila, no processo da fotossíntese, sequestra a energia solar sob a forma de energia química (ATP) e poder redutor (NADPH2).

As plantas têm um anabolismo completo: produzem 100% dos seus aminoácidos, proteínas, lípidos, ácidos nucleicos, vitaminas e outras biomoléculas a partir da energia química e do poder redutor produzidos pela fotossíntese, mais a água e 20 substâncias minerais simples (e.g., CO2, K+, e NO3-) absorvidas pelas raízes (Wise & Hoober cit. Crang et al. 2018). Os animais, pelo contrário, dependem de um vasto número de substâncias extraídas do corpo dos vegetais ou animais que lhe servem de alimento, ou dos resíduos por eles produzidos. Por exemplo, os humanos produzem apenas 11 dos 20 aminoácidos proteinogénicos (que fazem parte das proteínas), todos eles disponibilizados pelas plantas.

Embora seja a fonte primária de toda a matéria orgânica e energia que percorre os ecossistemas, a fotossíntese é um processo de conversão energética pouco eficiente. O máximo teórico da eficiência de conversão da energia solar incidente total em energia armazenada sob a forma de biomassa é de 4,6% nas plantas C3 e 6% nas plantas C4 (Zhu et al., 2008). Este valor é substancialmente mais baixo em condições de campo porque as plantas jamais crescem em condições ecológicas óptimas. Em contrapartida, a eficiência da conversão da energia solar total em energia elétrica em painéis solares fotovoltaicos experimentais atingiu os 47,6%, e ronda os 17-20% nos modelos comerciais (Schygulla et al., 2022). Os livros de bioquímica dizem-nos que a oxidação da glucose – o processo fundamental de produção catabólica de energia química da célula eucariota – é mais eficiente: cerca de 40%, um valor superior a um motor a combustão (ca. de 30%).

Transporte de fluídos aquosos e mobilidade celular

A água é o constituinte maioritário de todos os seres vivos. Porém, o papel da água na fisiologia das plantas não tem equivalente animal. Por não terem tecidos musculares capazes de gerar força, as plantas evoluíram de modo a tirar partido das propriedades físicas da água. A transpiração resultante da diferença entre a energia da água do solo e da atmosfera é suficiente para pôr em marcha um sistema circulatório, e elevar a água mais de 100 m acima do solo numa Sequoia. A manipulação da força gerada pela concentração diferencial de solutos através de membranas semipermeáveis – força osmótica – combinada com o relaxamento diferencial por via enzimática da parede celular controla a expansão celular, o crescimento e várias formas de movimento (Cosgrove, 2016). Enquanto os animais usam os músculos para puxar e empurrar, as plantas servem-se da água para empurrar e expandirem células vivas e órgãos (Crang et al., 2018).

A migração celular a longa distância é característica de vários grupos especializados de células animais – o sangue transporta vários tipos de células, enquanto a seiva das plantas é uma solução aquosa diluída, sem células vivas. Os anterozoides das ‘plantas de esporulação livre’, do ginkgo e das cicas, e as células constituintes do tubo polínico das restantes gimnospérmicas e das angiospérmicas são as únicas exceções conhecidas («v. Fase progâmica»). A evolução da parede celular explica, pelo menos em parte, a imobilidade das células vegetais.

A imobilidade das células das plantas faz com que a orientação das divisões celulares, ocorridas a nível meristemático, estabeleça a posição das células filhas no contexto dos órgãos em desenvolvimento. A posição das células produzidas nos meristemas, por sua vez, condiciona a sua diferenciação. As células são capazes de «percecionar» a sua posição relativa nos meristemas e, em face disso, modular o perfil de expressão genética e diferenciar-se num tipo celular adequado (Kwak et al., 2005; Singh & Bhalla, 2006).

Perceção das condições ambientais e comunicação

Os seres vivos estão expostos a inúmeros fatores de stresse ambientais como a presença de competidores, de parasitas, de herbívoros ou de predadores, a condições extremas de secura, calor e frio, ou a desequilíbrios nutricionais no do solo ou nos alimentos ingeridos. A reação ao stresse ambiental depende, necessariamente, da perceção do ambiente exterior e da comunicação interna entre as partes (e.g., entre órgãos). A comunicação entre indivíduos é igualmente adaptativa.

Os sistemas de perceção ambiental das plantas são extraordinariamente diversos e sofisticados. As plantas são sensíveis a sinais físicos (e.g., às alterações da qualidade da luz, temperatura, ao toque e ao consumo de partes) e químicos (e.g., disponibilidade de nutrientes no solo, substâncias químicas libertadas por parasitas ou pelos caules e raízes das plantas vizinhas).  A comunicação interna da leitura do ambiente exterior envolve a emissão de sinais químicos (inc. aumento súbito da disponibilidade de fotoassimilados) que circulam sobretudo pelo floema. Certos mecanismos de comunicação têm características análogas aos impulsos nervosos animais; e.g., sinais de glutamato transmitidos ao longo do floema em resposta ao ataque de fitófagos (Toyota et al., 2018)ou os impulsos elétricos ao longo dos feixes vasculares nas folhas sujeitas a pressão mecânica (Yang et al., 2023).

Pese embora a natureza descentralizada do corpo das plantas, só assim se explica que os estragos causados por um inseto gerem respostas por antecipação em outras folhas, ou que o crescimento de uma árvore após a perda de partes se faça de forma equilibrada.

Foi provado que as plantas comunicam entre si, através de exsudados radiculares, até que ponto a vizinhança é constituída por plantas geneticamente próximas e que essa comunicação influencia o crescimento e a forma (Chen et al., 2012). As plantas emitem também compostos voláteis de aviso ao nível da canópia perante um ataque de parasitas e herbívoros (Ueda et al., 2012) e as raízes de indivíduos compatíveis enxertam-se umas nas outras trocando todo o tipo de moléculas orgânicas (Lev-Yadun & Sprugel, 2011). Estudos recentes mostram que as plantas, além de libertarem compostos voláteis, são capazes de emitir ultrassons relacionados com a hidratação das células ou o ataque de insetos fitófagos, específicos para cada espécie vegetal e tipo de stresse sendo expectável que sejam detetados por indivíduos não ou coespecíficos (Khait et al., 2023). A comunicação entre as plantas é um tema de ponta de fisiologia vegetal.

A perceção, a comunicação e a resposta a condições ambientais é um pressuposto da vida num planeta em constante mudança. Embora o propósito seja o mesmo, as variáveis ambientais percecionadas, e os mecanismos e órgãos envolvidos, a informação extraída e as respostas são distintos em animais e plantas são distintos. As plantas não têm um sentido do sabor e os animais não sentem a falta de nutrientes minerais no solo. As plantas não ouvem e os animais não sentem a falta de nutrientes minerais no solo. O fitocromo das plantas e o olho dos vertebrados são sensíveis à luz, mas evoluíram de forma independente e não geram a mesma informação. As plantas não têm um sistema nervoso como os animais e muito menos um cérebro a centralizar o processamento da informação sensorial. A biologia “sensorial” de animais e plantas não é homóloga. O «mundo sensível» das plantas e dos animais têm pouco em comum.

Por falta de vocabulário adequado, a descrição dos «sentidos» das plantas é frequentemente feita com termos e conceitos importados da zoologia ou da psicologia humana, um facto que tem dado origem a sérios equívocos. É mais correto dizer que as plantas percecionam estímulos exteriores, alguns deles sentidos, mas de outra maneira, pelos animais; e.g., temperatura, humidade do ar, comprimento do dia, intensidade da luz. Defender que as plantas têm sentimentos (e.g., medo, compaixão), então, é um abuso grosseiro da metáfora ou dizer que as “plantas conversam com outros organismos e entre si usando os compostos orgânicos voláteis como o seu alfabeto”(Loreto & D’Auria, 2022) são abusos grosseiros da metáfora. Pela repetição arbitrária, a metáfora ganha novos significados inadequados para a descrição e compreensão da realidade. As plantas percecionam estímulos exteriores, alguns deles sentidos, de outra maneira, pelos animais – e.g., temperatura, humidade do ar, comprimento do dia, intensidade da luz –, e têm a capacidade de os comunicar entre si, outros organismos são capazes de percecionar os sinais dados pelas plantas  – não mais do que isso..

Volume e superfície nas plantas

A química da vida é essencialmente uma química do carbono. O CO2, o principal nutriente carbonado das plantas, é absorvido do ar pelos caules primários e folhas. O ar é uma solução gasosa à base de azoto, com uma concentração muito baixa de CO2: ~0,04% em volume (400 ppm). Os restantes nutrientes que compõem a massa das plantas são maioritariamente absorvidos pelas raízes de uma solução igualmente muito diluída – a água do solo –, ou extraídos da superfície dos minerais e da matéria orgânica do solo. A otimização, creio evolutiva da absorção da luz e do CO2 fez-se através do aumento da superfície em detrimento do volume da parte aérea (maximização da relação superfície/volume). Portanto, as folhas laminares são uma adaptação à captura de luz e, em menor grau, à sequestração de CO2. Dada a ineficiência intrínseca da fotossíntese, as plantas necessitam de grandes superfícies de coleção e conversão de energia luminosa expostas ao sol para satisfazerem as suas necessidades energéticas.

O sistema radicular foi sujeito a uma pressão evolutiva análoga. A captura de nutrientes, sobretudo dos nutrientes de baixa mobilidade como o fósforo, depende da exploração de um grande volume de solo por uma extensa rede de raízes tubulosas. Neste caso, o aumento da relação superfície/volume fez-se à custa da minimização do diâmetro das raízes.

François Hallé (2002) estimou que a superfície externa da parte aérea (caules + folhas) de uma árvore com 40 m de altura possa ultrapassar 1 ha. A superfície das raízes é ainda maior. A relação superfície da parte aérea/superfície da parte subterrânea é muito variável, (Hallé, 2002) refere um valor meramente indicativo de 1:130. Assim sendo, a superfície externa das raízes da tal árvore de 40 m pode atingir os 130 ha! Este valor é substancialmente maior se for contabilizada a superfície das hifas dos fungos micorrízicos («v. Micorrizas»).

Os animais como seres unitários

Os animais (metazoários) são genericamente organimos unitários (= não modulares). Por três razões: (i) ao contrário das plantas, o seu corpo não resulta da acumulação de unidades multicelulares discretas (módulos); (ii) as partes em que se divide o corpo dos animais unitários estão organizadas hierarquicamente; (iii) os animais exibem um crescimento e uma estrutura determinados.

O produto da embriogénese animal é uma edição minimalista de um indivíduo adulto, com todos os órgãos já iniciados. As estruturas externa e interna dos animais unitários – e.g., o sistema vascular, o número de membros e a posição espacial do aparelho digestivo ou dos pulmões de um mamífero ou de uma ave – mantêm-se praticamente inalteradas durante o crescimento pós-embrionário (Figura 9). E o volume e a massa do corpo estabilizam no estado adulto. Os insetos holometábolos, embora sofram modificações estruturais muito profundas durante o desenvolvimento, transitam de forma determinada entre os estádios de ovo, larva, crisálida e adulto, e os adultos são semelhantes entre si e de forma definitiva. As células estaminais animais têm, nos indivíduos adultos, a função de repor células especializadas de duração limitada (e.g., células do sangue ou da pele) (Baürle & Laux, 2003). Nas plantas, como se verá, as células estaminais geram novos órgãos («v. Meristemas»).

As partes em que se divide o corpo dos animais unitários estão organizadas hierarquicamente, são interdependentes e têm, aproximadamente, a mesma idade, ainda que coexistam células mais velhas e mais jovens. Hierarquizadas porque são constituídas por um elevado número de tipos celulares especializados – cerca de 400 grandes tipos celulares distribuídos por 60 tipos de tecidos (Hatton et al., 2023) –, por sua vez, organizados em múltiplos tipos de tecidos, órgãos e sistemas, com funções definidas e permanentes. A organização hierárquica e a interdependência funcional são tão profundas que os indivíduos necessitam de todas, ou de quase todas, as suas partes para se manterem funcionais. Um vertebrado não vive sem coração e a falta de um membro locomotor, por exemplo, compromete seriamente o seu sucesso reprodutivo. A integração funcional estende-se à morfologia e às relações forma-função, a tal ponto que os paleontólogos de vertebrados estão habituados a reconstruir esqueletos, corpos e ecologias a partir de miscelâneas de poucos ossos e dentes – um luxo raro em paleobotânica (Cronquist, 1988).

Há uma correlação inversa universal entre a especialização funcional das células e a totipotência celular: os tipos celulares animais muito especializados, em condições normais, são incapazes de reverter à condição de célula estaminal. Este facto ajuda a explicar por que razão a reposição de partes perdidas por efeito da idade, doença, acidente ou predação (e.g., morte de células cerebrais, tecido cardíaco necrosado, ou a perda de membros ou órgãos) é muito limitada nos grupos animais de simetria bilateral.

A dimensão e as estruturas interna e externa dos seres unitários encontram-se sob um rigoroso controlo do genoma, sendo, por isso, pouco sensíveis a fatores ambientais (Figura 9). O número e a forma dos órgãos reprodutivos nos animais são determinados numa fase embrionária. Com mais ou menos recursos, o número de órgãos e a sua disposição espacial são constantes – nos mamíferos só há um coração, os rins são dois, e quatro os membros, dois superiores e dois inferiores. As plantas produzem órgãos vegetativos (e.g., filídios, raízes, caules e folhas) e órgãos reprodutivos (e.g., anterídios, cones e flores) em número variável e, frequentemente, de forma escalonada ao longo do tempo. Consequentemente, o corpo dos animais só em parte pode ser ajustado à disponibilidade de recursos. Este ajustamento ocorre antes ao nível da população através de variações da densidade populacional – os animais multiplicam-se com celeridade quando o alimento abunda; na falta de alimento, migram ou morrem de fome em massa.

Estrutura modular das plantas. Totipotência celular

As plantas são organismos modulares de crescimento indeterminado. Modulares porque constituídos pela repetição de unidades multicelulares discretas, i.e., por módulos (modules), de grande autonomia funcional (semiautónomos). A semiautonomia dos módulos e a totipotência celular das plantas permitem que o crescimento, ao nível do indivíduo, seja matematicamente modelado de forma análoga a uma comunidade de organismos similares e semi-independentes, em competição por recursos escassos, correspondendo cada «organismo» a um módulo individual. De crescimento indeterminado pelo facto de crescerem continuamente até à senescência/morte, ainda que este crescimento possa ser interrompido por períodos de quiescência/dormência mais ou menos prolongados, quando as condições ambientais são desfavoráveis ao crescimento.

A estrutura modular apenas se concretiza na parte aérea do corpo das plantas. As raízes não se decompõem em módulos exteriormente evidentes e têm um crescimento oportunístico, dirigido pelos gradientes de oxigénio, água e nutrientes no solo. Os caules, pelo contrário, são construídos através do «encaixe» sucessivo, como numa construção de lego, de um módulo elementar – o fitómero (= metâmero; metamer, phytomer) – constituído por um entrenó, um nó e uma ou mais folhas com os respetivos meristemas axilares (Figura 10). O fitómero, por sua vez, organiza-se em módulos de complexidade crescente; e.g., ramos e sistemas de ramos. O crescimento da parte aérea é menos oportunístico do que o das raízes, caso contrário, a copa das árvores seria fortemente assimétrica, dirigida para onde vem a luz – e, nas latitudes mais elevadas do hemisfério Norte, as árvores tombariam com a idade para sul, e para norte no hemisfério Sul.

Todas as plantas crescem através da adição de módulos construídos por meristemas apicais. Durante o ciclo de vida, as plantas ajustam o número, a disposição espacial e, como se refere mais adiante, a identidade e a forma dos módulos, às condições ambientais (e.g., temperatura) e à disponibilidade de recursos (e.g., água, luz e nutrientes). Por outras palavras, as plantas ajustam a sua dimensão e arquitetura aos com os níveis de stresse ambiental. Quando as condições ambientais são propícias e os recursos abundantes, os meristemas caulinares ativos são mais numerosos, o número de módulos produzidos por meristema e o seu comprimento aumentam, os caules são mais ramificados e mais longos, e as inflorescências mais numerosas e com mais flores. Em condições de elevado stresse ambiental, são construídos menos módulos e estes são mais curtos, e as plantas têm um hábito mais congesto. Sob uma secura edáfica extrema, as plantas reduzem o número de partes aéreas, rejeitam ramos («v. Cladoptose») e/ou folhas e, eventualmente, antecipam a produção de flores e frutos. O sistema radicular é igualmente deprimido pela escassez de recursos («v. Plasticidade fenotípica do sistema radicular»).

Além do número e do arranjo espacial dos fitómeros, o desenvolvimento dos organismos modulares envolve duas outras componentes: a (i) plasticidade dos módulos e a (ii) identidade dos módulos. Comecemos por ver alguns exemplos de plasticidade dos módulos. Uma planta de trevo-branco sujeita herbivoria por mamíferos intensa tende a adquirir, com o tempo, folhas pequenas, entrenós curtos e um hábito prostrado (Figura 11). Num mesmo indivíduo, a dimensão dos entrenós e das folhas é influenciada pela exposição à luz: os ramos mais expostos ao sol têm, frequentemente, folhas mais pequenas, enquanto os ramos estiolados exibem entrenós mais longos e folhas maiores e mais delgadas, de cutícula menos espessa, e ricas em clorofila. A falta de água e a infertilidade da terra deprimem o comprimento dos módulos. Todos estes casos são exemplos de plasticidade fenotípica (phenotypic plasticity) porque as alterações na forma são controladas diretamente pelo ambiente[6].

A identidade dos módulos depende do programa genético expresso a nível meristemático. A mudança de programa é controlada por uma combinação diversa de fatores endógenos (e.g., determinados pela idade ou a direção dos ramos) ou exógenos (e.g., determinados pela qualidade da luz, fotoperíodo ou temperatura) (Mathews & Kramer, 2012). Um meristema pode começar por produzir folhas juvenis; em seguida, folhas maduras; depois, brácteas e, finalmente, peças da flor. Os novos fitómeros de um caule podem surgir engrossados e diferenciar um tubérculo, ou serem muito curtos e organizarem-se numa roseta de folhas, por exemplo. Geralmente, o câmbio de identidade dos módulos é gradual na conversão das folhas juvenis em adultas e abrupto na diferenciação da flor («v. Juvenilidade. Indução e diferenciação florais»).

O corpo das plantas contém um vasto número de células totipotentes concentradas nos meristemas e no tecido fundamental parenquimatoso que enche os seus órgãos («v. Tecidos definitivos simples»). A capacidade de reversão para uma condição meristemática das células parenquimatosas, conjugada com a estrutura modular, explica a facilidade com que as plantas repõem ou compensam a perda de partes. Quando uma árvore, por qualquer motivo, perde uma fração significativa da sua copa, ativam-se gemas dormentes, ou diferenciam-se gemas adventícias, que iniciam a reconstrução da região danificada. Em casos extremos, a copa de uma árvore pode ser totalmente eliminada e restaurada em seguida. Rolam-se as copas dos castanheiros infetados com doença da tinta (Phytophthora cinnamomi, Heterokontophyta) para estimular a emissão de raízes sãs e conter o avanço da doença no sistema radicular; poucos anos depois, as árvores têm uma nova copa e um sistema radicular parcialmente renovado. Muitas das árvores seculares de parques históricos passaram por vários ciclos de eliminação e reposição da canópia através de ramos epicórmicos («v. Ramos epicórmicos»).

Mecanismos análogos explicam a facilidade com que se propagam vegetativamente as plantas com fragmentos de caules, de raízes ou folhas, com gomos isolados ou com pequenos aglomerados de células nas técnicas de micropropagação. Algumas espécies lenhosas, e as plantas herbáceas com intensa propagação vegetativa (e.g., por rizomas ou bolbos), são virtualmente imortais porque as partes que, por qualquer razão, colapsam são continuamente substituídas por outras novas. A resistência/tolerância à herbivoria das gramíneas pratenses resulta, também, da sua estrutura modular: os animais herbívoros consomem biomassa aérea que posteriormente é restituída por meristemas intercalares e/ou por meristemas axilares («v. Desenvolvimento e arquitetura das gramíneas»). Em alternativa ou em complemento à reposição, as partes perdidas podem ser compensadas por um crescimento mais vigoroso, mais ou menos descentralizado, de outras. Os frutos das árvores de fruto comerciais têm maior calibre e mais sementes, se um número significativo de flores for eliminado com uma poda em verde, por métodos químicos ou por uma geada tardia.

O crescimento por módulos e duas das suas consequências – a cladoptose e a totipotência celular – são essenciais para as plantas ultrapassarem a heterogeneidade ambiental espacial e temporal e as limitações impostas à captura de recursos pela sua natureza séssil, i.e., pela imobilidade. Pela mesma razão, os animais sésseis geralmente também têm uma estrutura modular (e.g., corais). A dormência («v. Quiescência e dormência dos gomos», «Repouso e crescimento vegetativos das plantas perenes») e outros mecanismos (e.g., ciclo de vida anual) têm uma função similar. Em face da escassez, os animais movem-se em busca de alimento ou morrem; as plantas fazem-se pequenas, deprimem o metabolismo, aquietam-se e, eventualmente, contraem a biomassa viva.

Em resumo, as plantas têm um corpo flexível em massa, volume e forma. Consoante a sua história de vida, indivíduos coespecíficos com a mesma idade podem ter um tamanho e fisionomias muito distintas. A plasticidade fenotípica do corpo das plantas não tem paralelo no reino animal. A plasticidade é uma componente essencial do ajustamento da forma ao meio num ser séssil que não pode deslocar-se em busca de condições mais propícias. Por outro lado, a plasticidade fenotípica amplia o nicho ecológico porque permite a ocupação de novos habitats sem um período de ajustamento genético por evolução por adaptação. Explica, por exemplo, porque certas espécies são invasoras bem-sucedidas em ambientes distintos dos ambientes originais (Levin, 2010). As plantas com flor são mais plásticas do que as restantes plantas vasculares (‘pteridófitos’ + gimnospérmicas), facto que ajuda a explicar o seu sucesso evolutivo (volume II).

A natureza modular das plantas torna a sua identificação bastante mais complexa do que a dos animais unitários. Esta será uma das razões por que o número de nomes vernáculos tradicionais (não trabalhados pelos taxonomistas como acontece no inglês), cujo conceito coincide com os taxa definidos pelos taxonomistas, é geralmente limitado no mundo das plantas. Muitos animais podem ser positivamente identificados com base na silhueta, no tamanho, na cor, na postura corporal ou até no movimento. Por isso, as aves ou os mamíferos são representados em corpo inteiro nos guias de campo. A fisionomia das plantas é francamente menos informativa. A identificação das plantas obriga a uma observação visual de proximidade, por vezes com recurso a lupas de bolso, da inserção e forma das folhas, dos pelos das folhas e do cálice, da estrutura da flor, dos frutos, entre outros aspectos. Ainda assim, sobretudo em ambientes tropicais, a forma das árvores e arbustos pode ser de grande utilidade para determinar a identidade de indivíduos, ou de populações de indivíduos de uma mesma espécie. Quando se observam povoamentos arbóreos em fotografia aérea, ou em contraluz, é relativamente fácil distinguir a silhueta de um castanheiro, de uma Tilia (Malvaceae, Tilioideae) ou de um pinheiro-manso.

A modularidade tem outra consequência importante: permite que os módulos evoluam de forma quase independente sem alterar significativamente o funcionamento de outras partes. Por exemplo, as flores podem estar sujeitas a uma grande pressão de seleção pelos polinizadores enquanto o corpo vegetativo se mantém inalterado, em estase evolutiva. Nos animais não é assim. A modularidade acelera a adaptação das plantas a novas pressões de seleção, i.e., aumenta a sua capacidade de evoluir (Hansen, 2003).

Simetria

A simetria (simetry), por definição, consiste na repetição regular, geneticamente determinada, de elementos estruturais iguais ou similares (Figura 12). A maioria dos animais, mais concretamente os taxa do clado dos Bilateria (inc. artrópodes e vertebrados), tem uma simetria bilateral dorsiventral definida nas primeiras fases da embriogénese que emerge diretamente da direcionalidade do seu movimento sob o efeito da força da gravidade (Westerkamp & Classen-Bockhoff, 2007). As patas dos insetos estão sempre dirigidas para a interface com o substrato numa posição ventral. As asas, necessariamente, estão inseridas por cima das patas. As simetrias externas das plantas são bem mais complexas (Quadro 5).

QUADRO 5.

TIPOS DE SIMETRIA

Tipo de simetria

Descrição

Exemplo

Simetria por metameria

Repetição de elementos estruturais ao longo de um eixo.

Repetição do módulo elementar caulinar – o fitómero – constituído por um entrenó, um nó e uma ou mais folhas com os respetivos meristemas axilares.

Simetria radial

Repetição de um número variável de elementos estruturais, com um mesmo ângulo, em torno de um eixo.

Pétalas em redor do eixo floral (= recetáculo) ou a disposição radial dos tecidos no caule e na raiz.

Simetria bilateral

Repetição de elementos estruturais nos dois lados de um plano de simetria. Simetria predominante no reino animal.

Flores zigomórficas (com um plano de simetria) e folhas dorsiventrais. Comum nas flores polinizadas por insetos.

As regras das simetrias por metameria e radial codificadas no genoma controlam a disposição espacial dos módulos elementares que constituem o corpo das plantas (fitómeros). A forma dos indivíduos resulta da interação dessas regras com o ambiente – e.g., com a disponibilidade de luz, água e nutrientes no solo –, existindo, para tal, sensores especializados das características ambientais (e.g., fitocromo). Uma programação completa do corpo das plantas, além de incompatível com a volatilidade temporal intrínseca dos habitats das plantas e com os riscos criados pela imobilidade, exigiria muito mais informação genética do que a requerida na programação da metameria, das simetrias radial e bilateral, da estrutura dos fitómeros e dos sistemas fisiológicos de sensores, e da integração da informação sensorial. As regras de simetria, conjugadas com a estrutura modular, são, então, uma solução evolutiva parcimoniosa (simples e que exige pouca informação) para gerar, em resposta ao ambiente, formas complexas e plásticas, mas, ao mesmo tempo, evolutivamente flexíveis, i.e., sensíveis a pressões de seleção de índole diversa. A prontidão para mudar a estrutura e a fisiologia do corpo é uma característica fundamental das plantas.

Crescimento indeterminado nas plantas

Numa fase precoce do desenvolvimento embrionário das plantas, a produção de novas células passa a estar concentrada em tecidos especializados designados por meristemas; nos animais, a divisão celular ocorre de forma difusa, com diferentes atividades mitóticas, um pouco por todo o corpo, mais intensas antes de atingida a fase adulta. As células meristemáticas das plantas são funcionalmente análogas às células estaminais animais no sentido em que são histogénicas, i.e., diferenciam tecidos especializados. As plantas diferem dos animais na capacidade adicional dos meristemas apicais gerarem órgãos vegetativos (e.g., raiz, caule e folhas) ou reprodutivos (e.g., anterídios, cones e flores) completos.

As plantas estão «condenadas» a crescer, com interrupções cíclicas, é certo, até à senescência/morte. Uma planta pode ter centenas de anos, mas, todos os anos, é reabastecida de tecidos jovens provenientes dos meristemas. Entre outras, destaco seis causas para o crescimento indeterminado nas plantas: a (i) herbivoria (fitofagia) e (ii) parasitismo, a (iii) competição pela luz, a (iv) depleção dos nutrientes no solo e a degradação dos sistemas (v) fotossintético e (vi) vascular.

A imobilidade confere-lhes uma grande suscetibilidade à herbivoria, ao parasitismo, à competição pela luz e à depleção de nutrientes no solo. A produção de esporos (nas ‘plantas de esporulação livre’), sementes (nos espermatófitos) ou propágulos, é o único momento do ciclo de vida que as plantas dispõem para se «desenraizarem» e mudarem de lugar, de modo a escapar à ação de um herbívoro ou de um parasita, à sombra de um competidor ou à falta de nutrientes – um evento raro, insuficiente para tanto desafio, se se tiver em consideração a proporção entre a duração da dispersão e a duração do ciclo fenológico. A reposição pelo crescimento de partes perdidas é a grande resposta aos efeitos da herbivoria e do parasitismo. A mobilidade do fósforo e dos nutrientes catiónicos no solo é limitada; uma vez esgotado o stock, a solução é partir em busca de solo não explorado, construindo mais raiz. O acesso à luz depende da emissão de caules com folhas acima da canópia dos competidores diretos. A degradação dos sistemas fotossintético e vascular com o tempo é, igualmente, resolvida pela continuidade do crescimento porque a capacidade de reparação destas funções à escala da célula é limitada. As folhas «danificadas» são substituídas por novas folhas; o câmbio produz novo tecido vascular. Nas plantas, o funcionamento do corpo é assegurado pela reposição ou substituição de partes, ao nível do tecido ou do órgão. Nos animais, pelo contrário, tudo acontece a nível celular – a substituição e a reparação de tecidos e órgãos são limitadas. Nas plantas, parar de crescer é morrer.

Os mecanismos de degradação dos sistemas vascular e fotossintético estão bem esclarecidos. A água que preenche os vasos e traqueídos do xilema encontra-se sob tensão. Nestas condições, os gases têm tendência a segregar-se em bolhas microscópicas que podem coalescer, formar bolhas maiores, e obstruir os elementos traqueais do xilema e romper as conexões xilémicas, quer nos caules quer nas raízes. Nos climas frios, os ciclos de congelação-descongelação têm o mesmo efeito. O processo de formação de bolhas gasosas designa-se cavitação (cavitation); a cavitação precede e causa a embolia (emboly) do xilema. As plantas têm mecanismos para se defenderem da embolia (e.g. formação de tiloses e sistema tórus-margo) que não evitam, porém, uma lenta perda de eficiência do sistema condutor (i.e., da condutância hidráulica). A embolia do xilema está relacionada com a lenta recuperação ou a morte das plantas ou parte de plantas sob stresse hídrico. Nos climas frios, os ciclos de congelação-descongelação têm o mesmo efeito. A resistência do xilema à embolia é adaptativa e chave na estruturação das comunidades vegetais em função da disponibilidade de água no solo (Blackman et al., 2014).

A capacidade de conversão da energia da luz em cadeias carbonadas de alta energia vai decaindo à medida que as folhas vão envelhecendo. Por quatro razões:

·       Fotodegradação do sistema fotossintético – a incidência da luz nas folhas induz a formação de radicais livres que danificam as membranas cloroplásticas e os fotopigmentos; a eficiência fotossintética começa a decrescer logo após a expansão das folhas, muito antes destas entrarem em senescência;

·       Degradação mecânica, herbivoria e parasitismo das folhas – as folhas estão sujeitas a abrasão (e.g., danos causados por grãos de areia ou sais transportados a grande velocidade pelo vento) e rasgam-se, sendo consumidas ou parasitadas com alguma facilidade;

·       Ensombramento das folhas por efeito do crescimento – uma vez que os ramos, enquanto funcionais, se alongam continuamente, as folhas mais velhas vão ficando relegadas para as camadas mais profundas da copa, cada vez mais ensombradas, até que os seus consumos respiratórios de energia ultrapassam os ganhos fotossintéticos;

·       Acumulação de substâncias tóxicas – as folhas degradam-se naturalmente pela acumulação de substâncias tóxicas transportadas dissolvidas na corrente respiratória a partir do solo, ou produzidas pelo metabolismo secundário.

A produção de novas folhas implica, mais tarde ou mais cedo, a eliminação das folhas mais velhas disfuncionais. O turnover das raízes finas é também muito elevado («v. Crescimento e Arquitetura do sistema radicular»). Parte dos caules é eliminada por cladoptose («v. Cladoptose»). Ainda assim, as plantas retêm uma vasta massa de partes não vivas com uma função de suporte, concretamente xilema e tecidos associados, nas camadas mais profundas do seu corpo («v. Xilema secundário»). Este mecanismo, pelo menos com esta dimensão, não existe nos animais.

As estruturas reprodutivas das plantas, ao invés do corpo vegetativo, têm uma organização hierárquica e uma estrutura determinada. Na flor completa, as pétalas sucedem-se às sépalas, os estames às pétalas e o gineceu ao androceu. Esta sequência tem um controlo genético preciso. Com a formação da flor extingue-se o meristema que lhe deu origem. A dimensão e a estrutura das partes dos órgãos reprodutivos das plantas são menos plásticas do que o corpo vegetativo. Este facto, somado com a diversidade morfológica e funcional das estruturas reprodutivas, explica a importância da flor na identificação e classificação das plantas terrestres.

Sexualidade e ciclo de vida das plantas

O ciclo de vida é diplonte nos animais, e haplonte (tipo ancestral característico de muitos grupos algais) ou haplodiplonte nas plantas («v. Ciclos de vida das ‘plantas de esporulação livre’»). Os animais possuem um único tipo de célula reprodutiva: os gâmetas. O ciclo haplodiplonte característico das plantas terrestres envolve a alternância de dois tipos, morfologicamente distintos, de corpo multicelular – o esporófito e o gametófito –, especializados na produção de distintas células reprodutivas unissexuais, respetivamente, esporos e gâmetas. O gametófito e o esporófito têm histórias evolutivas distintas.

Num estádio inicial do ciclo de vida dos animais diferencia-se um grupo especializado de células – as células germinais (germ cells) – do qual derivarão os gâmetas. Nas plantas terrestres, as células precursoras dos gâmetas não estão predeterminadas no embrião – o destino das células produzidas nos meristemas é flexível (Hallé, 2002). Nos animais, as mutações somáticas (em células não reprodutivas) não são transmitidas à descendência. Nas plantas terrestres, nada impede que uma mutação ocorrida num meristema situado num determinado ponto da copa possa ser transmitida, por via assexual ou sexual, à descendência (Hallé, 2002).

As células da canópia das plantas com semente estão expostas a doses elevadas de radiações UV. As radiações mutagénicas incrementam a variação genética e aceleram as taxas de evolução, em particular nas espécies em que prepondera a reprodução assexuada. Em contrapartida, representam um risco de envelhecimento genético (acumulação de mutações deletérias) precoce, sobretudo nas plantas mais longevas como as grandes árvores. Quanto mais tempo vive uma planta, mais prolongada a exposição à radiação, maior o número de divisões celulares (a maior parte das mutações ocorre durante a mitose), e maior a probabilidade de se acumularem mutações deletérias. Os catafilos ou os esboços foliares, que envolvem as células meristemáticas apicais e axilares, e a formação de um ritidoma por fora do câmbio contêm as radiações ionizantes, mas não chegam. O envelhecimento genético nas plantas é compensado, entre outros, por dois mecanismos: (i) meiose e (ii) células iniciais. A meiose, o mais importante dos dois, é comum a plantas e animais (mecanismo discutido no volume II). A taxa mitótica das células meristemáticas não é constante: as células ditas iniciais dividem-se, raramente dando origem a outras células, essas sim que proliferam em grande número («v. Tipos celulares meristemáticos»). Portanto, a ocorrência de um grupo de células iniciais reduz a acumulação de mutações deletérias, efeito confirmado experimentalmente em grandes árvores seculares (Schmid-Siegert et al., 2017). As células iniciais nas plantas e as células germinais nos animais são duas soluções para um mesmo problema: o envelhecimento genético.

Os animais movem-se, os sexos encontram-se; nos grupos mais avançados, a escolha dos melhores parceiros, e, implicitamente, dos melhores genes, envolve complexos rituais e uma pormenorizada avaliação do fenótipo (seleção sexual); por fim, realiza-se a transferência de gâmetas – o ato sexual. A imobilidade das plantas fá-las, em grande medida, dependentes de vetores (e.g., insetos, vento ou a água) para o transporte de pólen, i.e., dos gâmetas masculinos. A seu tempo veremos que a flor é entendida como uma adaptação à polinização («v. Polinização»). A seleção dos melhores genes faz-se através da competição do pólen ao nível do estigma ou do pistilo («v. v. Competição do pólen. Seleção de gâmetas») (Skogsmyr & Lankinen, 2002).

A embriogénese das plantas desemboca numa estrutura simples – o embrião –, um rudimento do esporófito que se resume a um meristema apical radicular, uma raiz embrionária, o hipocótilo, um ou dois cotilédones, o epicótilo e a plúmula que contém o meristema apical caulinar (Figura 5-B). Ao contrário da maioria dos animais, o embrião pode permanecer dormente um longo período de tempo. Todos os órgãos das plantas adultas são diferenciados durante a vida pós-embrionária por meristemas que produzem órgãos completos (raiz, caules, folhas e flores). As células, os tecidos e os órgãos das plantas adultas, ao contrário do ocorrido nos animais unitários, não têm a mesma idade. As células diminuem de idade de dentro para fora nos caules com crescimento secundário (Figura 81); as folhas e os tecidos caulinares proximais são mais velhos do que os distais.

INTERAÇÕES ECOLÓGICAS COM PLANTAS

Os organismos interatuam uns com os outros no interior dos ecossistemas. Propriedades ecossistémicas tão importantes como a diversidade específica, a ciclagem dos nutrientes ou a produção de biomassa emergem diretamente da interação entre indivíduos pertencentes (interações intraespecíficas), ou não (interações interespecíficas), à mesma espécie. Veremos ao longo deste livro que a história evolutiva e a biologia das plantas estão profundamente marcadas por três interações ecológicas fundamentais: competição, herbivoria e simbiose.

Diz-se que há competição (competition) quando um indivíduo condiciona a aquisição de recursos por parte de outro indivíduo coespecífico (da mesma espécie) ou heteroespecífico (de uma espécie distinta). A competição interespecífica por recursos pode desembocar na extinção local de uma espécie (exclusão de competidores inferiores). Por exemplo, o fecho da canópia de uma floresta elimina as plantas heliófilas características da vegetação de orla e clareira florestal. O mesmo acontece quando através da aplicação de fertilizantes numa pastagem de solos nutricionalmente pobres, as espécies oligotróficas (de solos pobres) são substituídas por espécies eutróficas, mais competitivas sob as novas condições ecológicas. Sobretudo em ecossistemas estáveis, os indivíduos coespecíficos e ou de espécies com nichos ecológicos similares, geralmente, competem ferozmente entre si (Connell, 1983). A competição favorece a inovação, o uso de novos recursos, ou um uso mais eficiente de outros. A luta por recursos é uma força determinante na evolução por seleção natural, mas não é a única (e.g., predação, parasitismo, herbivoria, e condições ambientais). Entre outros exemplos, veremos no volume II que a competição pela luz nos primeiros ecossistemas de plantas vasculares determinou a evolução das primeiras árvores e das primeiras florestas no Devónico (419-360 M.a.).

Ocorre herbivoria (fitofagia; herbivory) quando um organismo ingere um organismo fotossintético ou parte dele. A herbivoria é classificada em função das partes consumidas. Entre os grandes mamíferos herbívoros consideram-se os: os mamíferos ramejadores (browsers; e.g., girafas, corços e cabras) eos mamíferos forrageadores (grazers; e.g., búfalos, vacas e ovelhas) alimentam-se, respetivamente, de renovos e de erva; as espécies granívoras comem sementes, e as frugívoras frutos. Os insetos fitófagos (herbívoros) atacam raízes, caules, folhas, flores e frutos, podendo o seu consumo ser realizado de múltiplas formas (e.g. mastigação, ingestão de seiva floémica ou envolver a produção de «Galhas»). As espécies polinívoras e nectarívoras não são incluídas neste grupo ecológico. Os insectos fitófagos são extraordinariamente diversos, atingem as 500.000 espécies, 25% dos animais multicelulares conhecidos(Bernays, 2009). Os fitófagos de flores foram importantes na história evolutiva da flor. Num sentido lato, a herbivoria inclui alguns tipos de parasitismo; e.g., consumo de seiva floémica por insetos com armadura bucal picadora-sugadora (e.g., afídeos), a formação de galhas («Galhas») ou a ingestão do mesofilo das folhas por lagartas mineiras.

Nas florestas tropicais, 10-25% da superfície foliar é anualmente consumida por insetos (Janzen, 1981). Este valor é ainda superior nas pastagens (grasslands) naturais e seminaturais. Em média, 18% da biomassa produzida pelas plantas é consumida por herbívoros. as plantas terrestres suportam

As plantas seguem duas estratégias de defesa contra a herbivoria: resistência e tolerância. A resistência compreende as soluções evolutivas que evitam os estragos causados pela herbivoria. Entende-se por tolerância à herbivoria a capacidade que certas plantas têm de atenuar os efeitos negativos do consumo pelos herbívoros no sucesso reprodutivo (fitness), i.e., na produção de sementes (descendência).

Para reduzir os efeitos da herbivoria, as plantas desenvolveram possuem diversos sistemas de defesa, como sejam a acumulação de compostos secundários repelentes ou tóxicos, pelos glandulares, espinhos, cutículas espessas, ou, como refiro se refere em seguida, mutualismos de proteção. Os compostos químicos para deter a herbivoria podem ser constitutivos ou produzidos, ad novo ou com mais intensidade após perturbação. Por exemplo, os canabinoides – compostos psicotrópicos da Cannabis sativa (Cannabaceae) – repelem e reduzem o sucesso reprodutivo de insetos fitófagos. À semelhança de outros químicos de similar função, acumulam-se preferencialmente nas flores femininas para proteger as sementes e os respetivos embriões (Stack et al., 2023).

O termo simbiose (symbiosis) tem origem na palavra grega symbioun, que quer dizer «viver junto». Apropriadamente, em ecologia, designa as interações fisicamente próximas, por vezes de estreita dependência (absoluta ou não), entre indivíduos de duas espécies distintas (Lang & Benbow, 2013). Reconhecem-se três tipos maiores de relações simbióticas (Figura 13): (i) comensalismo, (ii) parasitismo e (iii) mutualismo. O comensalismo implica vantagens para uma espécie, sem vantagens ou desvantagens para outra. Uma carraça vigilante na extremidade de uma folha a aguardar o contacto de um mamífero, um líquen incrustado no tronco de uma árvore, muitas espécies de bactérias que vivem das exsudações radiculares, e as bromélias e as orquídeas epífitas são exemplos de comensalismo. No parasitismo, uma espécie (parasita) tem vantagens em detrimento de uma outra (hospedeiro). Geralmente, os parasitas enfraquecem o seu hospedeiro, sem o matar, mas nem sempre. As plantas hemiparasitas complementam o parasitismo com fotossíntese – são verdes.

O mutualismo é uma interação ecológica com ganhos mútuos. No mutualismo obrigatório, a sobrevivência de uma ou de todas as espécies envolvidas depende da interação mutualista; no mutualismo facultativo há ganhos sem dependência. Seguindo a mesma lógica, fala-se em parasitas obrigatórios e em parasitas facultativos. O conceito de mutualismo é hoje bastante lato, não implicando dependência ou uma história evolutiva comum (coevolução). O mutualismo evolui mais rapidamente se envolver organismos evolutivamente distantes, com capacidades complementares que podem ser usadas em benefício mútuo. As relações mutualistas colapsam se um dos mutualistas faz batota, i.e., se beneficia da relação sem dar nada em troca (Leigh Jr., 2010).

As relações mutualistas são tão frequentes quanto diversas. 19-50% das interações ao nível do ecossistema são de tipo mutualista (Stone & Roberts, 1991). (Bronstein, 2015) organiza do seguinte modo as interações mutualistas: (i) mutualismos nutricionais; (ii) mutualismos de transporte; (iii) mutualismos de proteção. As micorrizas e as infeções de bactérias diazotróficas, dois tipos fundamentais de mutualismo nutricional no mundo das plantas, têm uma expressão morfológica evidente a nível da raiz, razão pela qual são detalhadas no capítulo «Raiz». A relação dos humanos com os cereais convergiu em pouco menos de 10 000 anos num mutualismo de tipo obrigatório – o trigo, o milho e o arroz, e outras espécies, são incapazes de se reproduzir sem a intervenção do homem, e sem cereais seria impossível alimentar a população humana atual (mais de 7 mil milhões de indivíduos).

A atual diversidade e abundância de mamíferos ungulados (e.g., bovídeos e cervídeos) e de ecossistemas-pastagem é produto de um longo processo coevolutivo entre gramíneas e mamíferos herbívoros grosso modo iniciado na segunda metade do Cenozoico (volume II). A palatibilidade (CONTINUAR COM LAUREAU)

Foi proposto, faz meio século, que a terrestrialização das plantas tenha sido facilitada pela interação com fungos micorrízicos (Nicolson, 1967) (volume II). Uma fagocitose mal sucedida de uma proteobactéria por uma arqueobactéria há mais de 1600 M.a. converteu-se no mais decisivo caso de mutualismo na história de vida terrestre: a célula eucariota (volume II) (Lane, 2015).

Na polinização entomófila («v. Vetores e sistemas de polinização») e na dispersão zoocórica («v. Sistemas e síndromes de dispersão»), são transportados por vetores animais, respetivamente, pólen e diásporos. As plantas têm ganhos de fitness através do aumento da polinização cruzada («v. Polinização cruzada») e da dispersão a longa distância («v. Vantagens e desvantagens da dispersão»), em troca, os vetores recebem uma recompensa alimentar na forma de néctar, pólen, sementes, excrescências de sementes, ou polpa de frutos carnudos. A polinização das figueiras (Ficus, Moraceae) por vespas da família Agaonidae é um caso extremo em que o mutualismo de transporte evoluiu num mutualismo obrigatório. No volume II, mostra-se que a facilidade com que as plantas com flor desenvolvem mutualismos de transporte com insetos explica, pelo menos em parte, a extraordinária diversificação dos insetos e das angiospérmicas no Cretácico Inferior.

Para escapar aos efeitos detrimentais da herbivoria e do parasitismo, as plantas adquiriram mecanismos diversos de defesa química (e.g., acumulação vacuolar de compostos secundários) e física (e.g., cutícula espessa, espinhos, e indumento). Adicionalmente, algumas espécies desenvolveram mutualismos de proteção sobretudo mais citados ocorrem com formigas (mirmecofilia) e microrganismos endófitos.

 As formigas expulsam insetos fitófagos (e.g., afídeos e larvas de borboletas) e ladrões de néctar (Nepi et al., 2009; Rudgers & Gardener, 2004). Para cativar as formigas as plantas oferecem em troca locais adequados para a instalação de formigueiros (e.g., espinhos com perfurações) ou recompensas alimentares (e.g., néctar produzido em nectários extraflorais e corpos nutritivos, «Hidátodos, nectários extraflorais e corpos nutritivos»). Por exemplo, as formigas sul-americanas do género Pseudomyrmex constroem formigueiros em espinhos ocos e consomem corpos nutritivos situados no ápice dos folíolos de algumas Vachellia (Fabaceae); em contrapartida, defendem a árvore do ataque de insetos e mamíferos herbívoros, eliminam folhas e caules de outras espécies de plantas que contactem com a árvore colonizada, e suprimem as plantas que germinem na sua vizinhança (Rickson, 1975) (Figura 14). Caules ocos para alojar formigueiros são frequentes em espécies pioneiras das florestas tropicais; e.g., Macaranga (Euphorbiaceae) em África. Descobriu-se que certas formigas suprimem doenças infeciosas fúngicas ou bacterianas, supõe-se que pela ação de substâncias antibióticas por elas segregadas (Offenberg & Damgaard, 2019).

Os endófitos (endophytes) são fungos ou bactérias que habitam os tecidos vegetais, intra ou intercelularmente, sem originarem estruturas macroscópicas nem causar sintomas de doença no hospedeiro. Sabe-se que alguns fungos endófitos protegem as plantas hospedeiras contra vírus, fungos e bactérias patogénicos (Gond et al., 2010).

MIMETISMO E CAMUFLAGEM

O mimetismo (similaridade visual com outras espécies; mimicry) e a camuflagem (morfologia semelhante ao meio envolvente; camouflage) são menos frequentes nos vegetais do que entre os animais. A camuflagem não é uma interação ecológica porque não envolve a interação entre diferentes espécies. Desde Darwin que ambos são usados como evidências dos efeitos da seleção natural.

Em Angola, observei plantas parasitas do género Tapinanthus (Loranthaceae) a mimetizar as folhas das espécies parasitadas, provavelmente para escapar à herbivoria (os Tapinanthus são muito apetecidos pelos grandes herbívoros). Estão descritas trepadeiras a mimetizar as plantas que lhe servem de suporte com o mesmo objetivo (Gianoli & Carrasco-Urra 2014). Refiro Refere-se mais adiante («v. Polinização por engano») que, na polinização por engano alimentar, espécies sem recompensas alimentares produzem flores morfologicamente similares a espécies com néctar abundante. Muitas plantas usam a camuflagem para se confundirem com objetos irrelevantes do meio ambiente e dessa forma se esquivarem aos seus inimigos (Niu et al., 2018) (Figura 15).

O mimetismo vaviloviano (vavilovian mimicry) tem um particular interesse para o agrónomo e para o arqueólogo. Este tipo peculiar de mimetismo, originalmente descrito pelo grande agrónomo russo Nikolai Vavilov (1887-1943), refere-se à convergência de características das plantas infestantes em direção às plantas cultivadas em resultado da pressão de seleção imposta pelas práticas agrícolas (McElroy, 2014). O mimetismo vaviloviano toma diferentes formas consoante o momento do ciclo de vida da infestante em que a seleção atua. As técnicas de limpeza de sementes (e.g., crivos ou volteio no ar) explicam a evolução de sementes similares, na forma ou na densidade, com as sementes de várias plantas cultivadas. Na cultura tradicional do linho ocorriam várias infestantes, hoje praticamente extintas, com sementes miméticas, categorizadas pelos taxonomistas clássicos, consoante os casos, desde a forma até à espécie (Castro & Sequeira, 1995). Em consequência de um processo milenar de seleção artificial através da monda manual – as plantas similares ao arroz não foram erroneamente mondadas e multiplicaram-se –, o corpo vegetativo da Echinochloa crus-galli var. oryzicola (Poaceae) é praticamente idêntico ao do arroz cultivado, e muito distinto do corpo vegetativo dos ecótipos selvagens da espécie (Barrett, 1983). A resistência de uma infestante ao herbicida glifosato na cultura da soja transgénica com genes de resistência ao mesmo herbicida é um caso de mimetismo vaviloviano a nível fisiológico.

Pese embora a divergência morfológica frente às populações selvagens, a maior parte dos exemplos conhecidos de mimetismo vaviloviano não estão isolados reprodutivamente – são hoje em dia entendidos como ecótipos, mais concretamente agroecótipos.




[1] Reparar que não se categorizam formalmente Eukaryota, Archaeplastida, Viridiplantae, Streptophyta e Chlorophyta.


[2] Como sempre, os nomes comuns em inglês estão escritos em itálico e inscritos entre parêntesis.


[3] A monofilia das estreptófitas é disputada.


[4] Mais correto licopodiófitos do que licófitos (M. Christenhusz et al., 2018).


[5] A monofilia das arqueplastidas não é recuperada com elevados níveis de certeza em muitos estudos filogenéticos (Burki et al., 2020b). Paira a hipótese do cloroplasto dos grandes grupos de arqueplastidas ter origem em mais de um evento de endossimbiose.


[6] As características mencionadas para o trevo-branco podem, porem, ser fixadas por seleção – estão em causa dois processos distintos: plasticidade fenotípica vs. adaptação. Uma e outra são destrinçáveis através da transplantação para ambientes controlados: a plasticidade fenotípica é reversível, a adaptação não (embora os genótipos adaptados à herbivoria possam sofrer algumas modificações fruto da sua plasticidade fenotípica intrínseca).