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Essencialismo vs. evolucionismo

Nos meados do século XVIII, Carl von Linné, ou Carl Lineu (1707-1778), justamente conhecido como o pai da botânica, e os seus contemporâneos presumiam que todas as espécies haviam sido criadas por um ente superior e que a sua forma e número eram constantes. «As espécies são tantas como as que foram criadas no início pelo Infinito», escreveu Lineu em 1758. Se o Criador era perfeito, então, além de definitiva, a estrutura e a função dos seres vivos eram perfeitas e as necessárias para um adequado e permanente (infinito) funcionamento da vida na Terra. Influenciados pela filosofia essencialista, ilustrada por Platão (428/427--348/347 a. C.) na conhecida alegoria da caverna, Lineu e os demais naturalistas pré-darwinianos supunham que a descrição dos produtos da criação, i. e., a prática da sistemática biológica, tinha por fim último a identificação das propriedades essenciais atribuídas pelo Criador às coisas vivas. Uma propriedade essencial – uma essência – era entendida como um elemento básico, neste caso de um ser vivo, sem o qual ele não pode ser o que é. A essência seria a causa direta da sua perfeição e intemporalidade. As propriedades não essenciais eram meramente acidentais.

A ideia de que os seres vivos mudam com o tempo é anterior a Charles Darwin (1809-1882), porém a ele se deve a identificação do mecanismo crucial da seleção natural e a reunião de um copioso e convincente conjunto de evidências reunido a partir do mundo natural, organizado no livro mais influente da biologia moderna – a A Origem das Espécies (Figuras 1 e 2). Após a publicação de A Origem, em 1859, a espécie deixou de ser considerada como um tipo caracterizado por um conjunto constante e imutável de propriedades essenciais. Embora carecendo de uma definição precisa até à emergência da síntese evolucionária moderna, a espécie passou a ser interpretada como um aglomerado de indivíduos similares, com características fenotípicas espacial e temporalmente instáveis, submetido a pressões seletivas que condicionam a sua história evolutiva.

A noção de que as plantas e os animais não são imutáveis, que evoluem, e que a sistemática vai muito além da mera descrição de tipos, implicou, a muito custo, a rejeição do essencialismo, um sistema filosófico com mais de 2000 anos. A teoria da evolução de Darwin converteu-se no novo paradigma unificador e organizador de toda a vida, e a busca das essências transformou-se numa demanda dos caracteres e tipos ancestrais.